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Sinopse

Mesmo que todos digam o contrário, o pardal Richard está convicto de que ele é, de fato, uma cegonha. Para mostrar que está certo, ele toma uma atitude ousada: decide partir em uma longa jornada de inverno para a África, para completar um rito de passagem e, enfim, se tornar uma cegonha de respeito.

Crítica

Em determinado momento da trama, Rick, um pardal que foi criado por uma família de cegonhas, é deixado para trás pelos seus pais adotivos porque é chegado o momento da migração, e somente aves maiores, ao menos em tese, conseguem voar até a África. O que seria, de fato, compreensível – afinal, atravessar todo um oceano não deve ser uma tarefa das mais fáceis. No entanto, essa impressão não é de toda correta. Isso porque, ao contrário da grande maioria dos longas de animação que chegam aos cinemas brasileiros, Missão Cegonha não é uma produção norte-americana e, sim, europeia. Ou seja, o protagonista está na Alemanha, e não no interior dos Estados Unidos. Esta curiosidade pode até aparentar não ser mais do que uma nota de rodapé, mas aos olhos atentos se revelará um dos principais atrativos da história a ser contada.

E muito disso se deve à perspicácia dos diretores Toby Genkel (Epa! Cadê o Noé?, 2015) e do estreante Reza Menari, que através de um argumento não muito complicado se dispõem a refletir e desenvolver exemplos de tolerância e empatia, estimulando a generosidade e o entendimento diante da formação de famílias alternativas e o respeito às diferenças. O público original de um filme como esse pode ser o mais infantil, mas não se engane: é de pequeno que as visões de mundo começam a ser formadas. E quanto mais amplas e menos alienadas estas forem, melhor para todos. Por isso uma experiência como essa pode parecer meramente passageira, mas seus frutos poderão ser sentidos até muito tempo depois.

O começo de Missão Cegonha se apoia diretamente no clássico Bambi (1942), sem ousar repetir uma das cenas mais tristes do cinema animado, porém almejando o mesmo efeito narrativo. Uma vez sozinho, o recém-nascido se vê acolhido por Aurora e Claudius – mesmo que este, como líder do bando, fosse contrário a este gesto e acabe concordando com a adoção um tanto a contragosto. Os primeiros meses do pequeno são felizes e estimulantes – ele não chegou a conhecer seus verdadeiros pais, e sem saber o que perdeu, não possui o sentimento da falta destes. Porém, com a mudança da estação, vem também esta nova fase da vida. Abandonado por quem o criou, terá que formar uma nova família, e os escolhidos acabam sendo a coruja Olga (e seu amigo imaginário, Oleg) e o periquito Kiki. Outros tipos impagáveis, como as pombas conectadas (uma das melhores piadas), acabam se juntando a eles nessa tentativa de mostrar ser capaz de fazer aquilo que ninguém acredita, ou seja, segui-los até o continente vizinho.

Ao contrário do didatismo de documentários sisudos ou dramas pesados, Missão Cegonha aborda também o problema das alterações climáticas no nosso planeta e duas questões pertinentes a este assunto: a influência nefasta do homem e as consequências sentidas pelos animais. Ao chegarem em terras africanas, ao invés de se depararem com um lago rico em possibilidades, encontram um ambiente árido e desértico. É preciso buscar alternativas. Neste cenário, nem mesmo os predadores podem ser encarados como vilões, pois estão todos fazendo o que seus instintos determinam. Assim como se sucede com o pequeno Rick. O jovem pardal pode parecer frágil e indefeso, mas guarda muita energia dentro de si. E será essa força que acabará por determinar o que irá acontecer não somente com ele, mas com cada um daqueles que estiverem ao seu redor.

Ao contrário do recente Cegonhas (2016), com suas invencionices modernas e tentativas não muito bem-sucedidas de defender um discurso irônico, porém redundante, Missão Cegonha vai além do mero conto de fadas, revelando-se bem pé no chão em grande parte de sua trama. Isso não quer dizer que não tenha momentos de humor e outros até bastante tolos, pois é preciso alternar entre uma graça mais leve e piadas de duplos – ou terceiros – sentidos. É o caso de ir além das aparências, tal qual se sucede com o protagonista. O valor insuspeito dessa jornada reside naquilo que está além das cores e ações vistas em cena. Está no sentimento defendido por estes personagens e numa consciência que vai além do próprio umbigo. Percepções de quem tem experiências para contar, mais alinhadas a um modo europeu de ser do que a doutrina selvagem tão apregoada pelos norte-americanos. Um detalhe, como dito antes, muito discreto, mas que termina por fazer toda a diferença.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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