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Crítica
Eis um caso daqueles que muito se comenta a respeito nas aulas de roteiro e estrutura narrativa em cursos universitários e oficinas preparatórias: “a vida não precisa fazer sentido (e, muitas vezes, não faz mesmo), mas a ficção, ah, essa sim possui compromisso com a verossimilhança”. Tal pensamento se faz presente logo nos créditos de abertura de Gran Turismo: De Jogador a Corredor, a partir da informação de que este é um filme baseado em um episódio real. Muitos realizadores, cientes desse detalhe, sentem-se portadores de um crédito permissivo, que os liberaria de amarras baseadas na fatalidade dos eventos, como se tudo fosse possível, afinal, “foi assim que aconteceu de verdade”. Mas eis que não é como a coisa funciona. Pois, se não há com quem dialogar ou debater diante dos absurdos do cotidiano, frente a uma obra ficcional este embate se dá em outro patamar, mais no sentido de se apresentar crível ou não ao espectador ao qual se dirige. E, nesse aspecto, o longa dirigido por Neill Blomkamp fracassa vergonhosamente, independente do âmbito em que se posicione, seja como transposição de um insólito evento, ou mesmo enquanto mero produto de entretenimento.
Para quem não ligou o nome à pessoa, Neill Blomkamp é um cineasta sul-africano que estreou na tela grande fazendo barulho, de cara conquistando uma indicação ao Oscar por seu trabalho como roteirista no thriller de ficção científica Distrito 9 (2009) – também dirigido por ele. Suas obras posteriores não se mostraram à altura da expectativa gerada por esse primeiro esforço, e a queda vertiginosa rumo a uma mediocridade quase irrecuperável se confirma com Gran Turismo. Longe do seu habitat natural – distopias tecnológicas e futuristas, algo que perseguiu em mais de um dos seus trabalhos – aqui o que se percebe é um esforço não muito bem sucedido para se encaixar em um formato pré-estabelecido, aos padrões da engenharia hollywoodiana. Eis, portanto, um filme de videogame. A audiência a qual se dirige sabe bem o que procura e o que esperar dessa iniciativa. Qualquer tentativa de reinventar a roda, enfim, não seria bem recebida – a criatividade, em casos assim, possui limites dentro dos quais pode se expressar. E sem conseguir ir além do que lhe é disponibilizado, resigna-se em um feijão com arroz sem sal, nem pimenta.
Longe das salas de cinema desde Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar (2017) – e aí se vão alguns anos, período durante o qual esteve envolvido com séries e telefilmes – Orlando Bloom ressurge mais assenhorado como Danny Moore, executivo do marketing que precisa convencer os diretores da Nissan a investir em uma ideia, senão maluca, quase suicida: apostar em adolescentes como pilotos de corrida. Gran Turismo é um jogo de automobilismo criado por Kazumori Yamauchi (em cena, vivido por Takehiro Hira, de G.I. Joe Origens: Snake Eyes, 2021) que se tornou febre mundial: jovens nos quatro cantos do globo de trancavam em seus quartos para correr em pistas digitais, em uma simulação de direção bastante realista. Pois então, Danny acreditava que estes poderiam ser os pilotos do futuro em campeonatos verdadeiros, não mais disputando corridas virtuais, mas em desenlaces bastante concretos. E, para tanto, necessitaria da pessoa certa, que viria a ser Jack Salter (o homem da vez David Harbour), um preparador de olhar afiado e sentimentos ainda mais cortantes, o treinador capaz de transformar crianças em atletas competitivos.
Pois eis que um desses rapazes é Jann Mardenborough (Archie Madekwe, de See, 2019-2022), uma daquelas figuras tão cheia de razão que a tarefa de simpatizar com ela – afinal, trata-se do protagonista da história – se revela hercúlea. O que se dá a partir da entrada dele em cena é a repetição de uma velha fórmula há muito conhecida. Intransigente em casa, “não compreendido pelos pais” (dupla essa formada pelo mal aproveitado, ainda que sempre ótimo, Djimon Hounsou, e pela ex-Spice Girl Geri Halliwell, que agora assina com o sobrenome do marido, Horner), mas excelente no hobbie ao qual se dedica por quase todo o tempo em que está acordado (ou seja, o console do computador), ele não apenas consegue uma vaga entre os finalistas, como irá disputar a cada curva pela chance de ser o escolhido. Se essa jornada não é das mais surpreendentes – afinal, seu desfecho é sabido de antemão – também não causará espanto a busca por reviravoltas (como um impressionante acidente no meio de uma corrida) ou por dificuldades em meio a uma série de vitórias (como a resistência por parte dos demais pilotos em aceitá-lo como “um dos seus”, dada a sua origem inesperada). Nada, enfim, que não seja tirado de letra pelo rapaz.
Diferente da saga Velozes e Furiosos, com quem compartilha do mesmo princípio – afinal, são filmes com carros e desafios automobilísticos, quase um subgênero à parte no cinema mainstream – Gran Turismo: De Jogador a Corredor falha por dois graves motivos. O primeiro, e mais evidente, é pela falta de senso de humor. Se é tudo um imenso disparate, por que não investir no inacreditável que favoreça cenas capazes de arrepiar aqueles no lado de cá da tela? Pelo contrário, o resultado é morno, com conclusões fáceis de serem antecipadas. A despeito de um pretenso suspense que nunca chega a se confirmar, não há algo de original ou inovador na câmera de Jacques Jouffret (parceiro habitual de Mark Wahlberg e visto há pouco na série Jack Ryan, 2022-2023). Mas imperdoável mesmo é desprezar as participações de Bloom, e, principalmente, Harbour, que servem apenas de escada para um garoto carente de carisma e de presença opaca em sua busca por sentimentos além daqueles que transitam pela superfície dos acontecimentos. E assim, sem graça ou emoção, o que se vê é genérico e esquecível, distante do feito que se propõe a registrar.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 4 |
Arthur Gadelha | 6 |
Lucas Salgado | 4 |
Alysson Oliveira | 3 |
MÉDIA | 3.3 |
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