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Sinopse

Anastasia Steele é uma jovem estudante de literatura, que, para uma reportagem no jornal da faculdade, precisa entrevistar o bilionário Christian Grey. A partir desse encontro, se constrói uma relação de tensão e sedução, com base nos prazeres pouco comuns do sadomasoquismo.

Crítica

Mais de 100 milhões de cópias vendidas em todo o mundo, o inacreditável best seller Cinquenta Tons de Cinza chega às telas com pinta de blockbuster, ainda que não contenha nenhum nome de respeito no elenco, não seja dirigido por um cineasta experiente, nem seja baseado em personagens de domínio popular. Sua atração é única e exclusiva oriunda do universo literário, e isso, num mundo como o nosso, em que a todo instante alguém surge para anunciar o fim dos livros, jornais e revistas em prol da internet, é sempre uma boa notícia. Neste caso, no entanto, trata-se da primeira e última. Afinal, nada mais se salva nesta produção com cara de comercial de sabonete em que tudo é tão ensaiado que nada termina por soar natural ou minimamente convincente. O filme, assim como aconteceu com o livro, se dirige a apenas um público exclusivo: jovens facilmente impressionáveis e mulheres com a libido em baixa em busca de motivação. De resto, o exagero e a falta de noção parecem não ter limites.

Surgido como uma ‘fan fiction’ escrita sob o pseudônimo de ‘Snowqueens Icedragon’ (!) e inspirada nos personagens da saga Crepúsculo, Cinquenta Tons de Cinza, de E. L. James (nome 'oficial' da autora) assim que publicado online começou a chamar atenção e despertar o interesse de editoras ao redor do mundo. O mesmo texto, devidamente retrabalhado e sem evidenciar sua origem, foi lançado nas livrarias e logo começou a surpreender. As vendas cresceram, as leitoras pediram por mais e outros dois livros foram produzidos às pressas – Cinquenta Tons Mais Escuros e Cinquenta Tons de Liberdade, cujos direitos já foram adquiridos e serão adaptados na sequência. E sobre o que discorre sua trama para justificar tamanho alarde? Na verdade, nem é tanto sobre o que fala, e sim como. Afinal, tem-se aqui um caso legítimo de promete muito, mas cumpre pouco.

A protagonista é Anastasia Steele (Dakota Johnson, filha dos atores Melanie Griffith e Don Johnson), uma estudante de literatura que se apaixona pelo empresário multimilionário Christian Grey (Jamie Dornan, cujo maior crédito até então consistia em algumas séries de televisão e numa rápida passagem por Maria Antonieta, 2006). Ele é misterioso na medida certa para atrai-la, porém esconde um terrível segredo: o que gosta mesmo é de violência, preferência fruto – é claro – de um trauma do passado. Como chega a afirmar em certo momento, ele não faz amor – ele fode, e com força. Uma vez isso anunciado, espera-se orgias escandalosas, cenários impressionantes e transgressões sexuais das mais variadas escalas e dimensões. Pois muito engana-se quem for ao cinema atrás disso. Nem mesmo nudez há: o ator foi categórico em afirmar que havia especificado em contrato sua integridade física, enquanto que a garota chegou a usar uma dublê de corpo nas cenas em que não se sentia ‘confortável’.

Afinal, os absurdos começam logo. Anastasia, apesar de ter mais de vinte anos, ter tido uma educação bastante liberal (a mãe está no quarto casamento) e morar sozinha com uma colega da faculdade, ainda é virgem. Quando descobre isso, Christian deixa suas convicções de lado e decide... fazer amor! Lá vão os dois para a cama num bom e velho papai-e-mamãe, comportado e atencioso. Este parece, portanto, ser o maior atrativo para o seu público-alvo: apesar de parecer ameaçador, tudo é muito seguro e limitado. Por isso o apelido de mommy porn, ou pornô para mamães. Em suas mais de duas horas de duração não há absolutamente nada que se assemelhe ao já visto em produções muito mais ousadas, como Calígula (1979), 9 ½ Semanas de Amor (1986), Instinto Selvagem (1992) ou mesmo o recente Ninfomaníaca (2014), por exemplo.

Um dos destaques dos trailers de divulgação de Cinquenta Tons de Cinza é a nova versão da canção ‘Crazy in Love’, de Beyoncé. Isso deixa claro a importância que a trilha sonora tem para o filme. Pois de fato, ela é praticamente onipresente, a ponto de atordoar qualquer espectador um pouco mais atento. A fotografia plastificada de Seamus McGarvey (o mesmo de projetos tão díspares entre si quanto As Horas, 2002, e Os Vingadores, 2012) massifica tudo em... tons de cinza! Sem conseguir ser mais óbvio, a identidade esvai-se, e o filme fica sem personalidade. Mas nada, evidentemente, é pior do que os desempenhos dos protagonistas. Johnson é um pouquinho superior ao seu colega, mas sua voz insistentemente rouca é enervante. Dornan, por outro lado, mantém por todo o filme a mesma expressão de serial killer prestes a explodir, sem nunca chegar à êxtase algum. O gozo, aqui, só se for de deboche.

Mais conhecida por ter se casado com o neo-galã Aaron Taylor Johnson (vinte e três anos mais novo do que ela) do que pelo simpático O Garoto de Liverpool (2009), seu filme de estreia, Sam Taylor-Johnson havia deixado a impressão de ser uma diretora razoavelmente competente, porém o trabalho que aqui entrega é insípido e descartável. Não há nada de marcante em toda a sua duração, o que denota trata-se mais de um projeto dos produtores do que dono de qualquer tipo de conotação autoral. Genérico e com a profundidade de um pires, Cinquenta Tons de Cinza ainda termina em um final em aberto, deixando claro para quem ainda não havia percebido que não se trata de um filme, mas apenas de uma isca para os mais ingênuos e que deverá perdurar por mais dois capítulos. Boa sorte para quem aguentar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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