Crítica
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Sinopse
Carlão trabalha numa concessionária de veículos e recorrentemente conta piadas machistas e homofóbicas. Evaristo, uma de suas principais vítimas, o tranca num armário mágico do qual à noite sai Carlinhos, o alterego gay.
Crítica
A linha que separa o “rir com” do “rir do”, ao menos em muitas comédias brasileiras, é bastante tênue. Ainda mais naquele estilo de programa de humor que costumava fazer bastante sucesso vinte ou trinta anos atrás – ou mais – e suas réplicas cinematográficas. O diretor Pedro Amorim, no entanto, consegue manejar com habilidade esse percurso entre um lado e outro em Carlinhos e Carlão, longa que se anunciava de maneira bastante perigosa, permitindo resvalos em sua comunicação prévia que esbarravam no estereótipo e no preconceito, mas que, uma vez em cena, mostram-se bem distante dessa expectativa inicial. Muito pelo contrário, aliás. O que o realizador faz é uso desses mesmos elementos, porém de maneira atenta e consciente, atraindo pelo reconhecimento do clichê para, a partir deles, dar início a um discurso inclusivo e, literalmente, transformador. O resultado, felizmente, é muito melhor do que se poderia esperar.
Mas isso não deveria causar tanto espanto entre aqueles familiarizados com a trajetória pregressa do cineasta e do seu astro principal, o ator e comediante Luis Lobianco. Amorim é responsável por títulos como o simpático Mato Sem Cachorro (2013) e o irreverente Divórcio (2017), além de irmão de Vicente Amorim (responsável pelo épico Corações Sujos, 2011, e pelo thriller A Divisão, 2020, entre outros) e filho do diplomata Celso Amorim. Como se percebe, é alguém com histórico familiar sério e de fortes influências socioculturais. Já Lobianco foi um dos nomes mais frequentes da websérie Porta dos Fundos (2013-2016), e marcou presença em filmes como Entre Abelhas (2015) e TOC: Transtornada Obsessiva Compulsiva (2017), comédias que investiam na busca por um riso mais inteligente e menos óbvio. Com estes históricos somados, seria possível antever que Carlinhos e Carlão não iria optar pelos caminhos mais fáceis.
Assim, o que os dois fazem é se apropriar do texto desenhado por Carolina Castro (Duas de Mim, 2017) e Célio Porto (Desculpe o Transtorno, 2016) para imaginarem algo que combinasse os elementos caros aos roteiristas – duplas personalidades e confronto de identidades – dentro de uma proposta que estimulasse um confronto direto frente a uma parcela mais conservadora da sociedade brasileira – justamente aquela que costuma aplaudir com entusiasmo quando o riso é de alguém, mas reclamam de vitimismo e inversão de valores na hora de abdicar de seus privilégios para buscar um equilíbrio no meio do caminho. Luis Lobianco é tanto Carlinhos quanto Carlão, e o ator oferece verdade aos dois lados desse mesmo homem. É justamente por ser tão realista, tanto num modo como no outro, que o filme ganha pontos, pois ao invés de apontar para extremos, deixa claro o quão próximos ambos podem estar.
Carlão é filho do seu Angelo (Otávio Augusto), que desde cedo costumava dizer aos filhos frases prontas como “futebol é coisa de homem” ou “chorar é com as meninas”. Uma educação ultrapassada e limitada pode não ser determinante, mas com certeza ajuda na construção de homens homofóbicos e repletos de visões equivocadas – tanto quanto aos outros, como também, e principalmente, em relação a si mesmo. Não é surpresa, portanto, quando o público o vê já adulto, rodeado de amigos que não respeitam ninguém, acham que tudo é motivo de piada e adoram explorar qualquer oportunidade para reafirmar a própria “macheza”. Porém, quando um anjo – ou seria uma fada? – decide lhe aplicar uma lição, o protagonista descobre que, assim que anoitece, uma outra versão de si assume o comando: é a vez de Carlinhos literalmente sair do armário e passar a ditar as regras por ali.
Se seria fácil reduzir a história que vinha sendo contada até esse momento a meros choques de costumes entre o bronco valentão e o gay afetado, felizmente Amorim, Lobianco, Castro e Porto são perspicazes o bastante para irem além disso. Assim como o começo é incômodo aos mais sensíveis, pelos discursos ultrapassados e expressões equivocadas, assim que a mudança acontece ela também se dará sem amenidades, mas, sim, com muito beijo na boca, brinquedos sexuais pelo cenário e música pop na trilha e até em coreografias desempenhadas com vigor pelo elenco. E se ambos estão dentro da mesma pessoa, porque manter uma que só provoca ruído, quando se tem à disposição outra muito mais em sintonia com o mundo ao redor. Sem deixar de lado questões sérias – como a violência contra homossexuais – e eficiente também em fugir de estereótipos – nesse âmbito, a participação de Thiago Rodrigues é fundamental – Carlinhos e Carlão se revela não apenas divertido e leve na medida certa, mas também necessário para o momento em que se apresenta, tanto como exemplo mas, acima de tudo, como discurso a ser aprendido e praticado.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Francisco Carbone | 6 |
MÉDIA | 6.5 |
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