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Sinopse

Documentário que aborda a vida e a obra de Luiz Carlos Barreto,  icônico produtor de cinema brasileiro. Narrado na primeira pessoa, o filme presta uma homenagem ao grande "agitador cultural", como ele próprio se define.

Crítica

Antes mesmo de os tradicionais logotipos da Ancine, Globo Filmes e Canal Brasil aparecerem na tela, o espectador é bombardeado por uma colagem intensa de elogios a Luiz Carlos Barreto. Celebridades afirmam de tratar de um homem exemplar, um produtor maravilhoso, um exímio defensor do cinema nacional, um pioneiro das artes, um brasileiro de verve e iniciativa. Os vídeos incluem falas em inglês para insinuar que o prestígio é ainda maior pelo reconhecimento fora do país. Só então o filme se inicia, o que deixa claras as suas prioridades: este é uma homenagem a Barretão ao invés de uma análise minimamente distanciada. O espectador pode se acalmar, no entanto: nada do que se segue é tão ruim quanto a vinheta de abertura.

Narrando sua própria história, o produtor é situado num dispositivo interessante: ele está sobre uma cadeira, no meio dos trilhos circulares de um travelling. Isso permite que a câmera realize basicamente dois movimentos em sua direção: a aproximação no rosto e a movimentação ao seu redor, transformando Barretão num núcleo em torno do qual tudo literalmente gira. O homem, nada modesto, afirma: “Se cheguei até aqui, foi por meus méritos”, e em outro momento, “Descobri que eu era um fotógrafo soberbo”. Além do diretor, o filme também possui um repórter, Geneton Moraes Neto, numa adição curiosa que ajuda a aproximar o projeto da reportagem televisiva. O formato torna-se muito singular: mesmo contando com alguns dos maiores profissionais da indústria (Walter Carvalho na direção de fotografia, Paulo Henrique Fontenelle na montagem), contenta-se com a estrutura convencional do programa de entrevistas.

Barreto, é claro, possui uma trajetória notável. Desde as primeiras experiências na produção até a colaboração frutífera com Glauber Rocha, passando pelo sucesso estrondoso de Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), o documentário frisa apenas os bons resultados da carreira do produtor, multiplicando as fotografias com Glauber, a presença em premiações de destaque e as falas potentes dele mesmo, décadas mais cedo, através de material de arquivo. O protagonista torna-se autor de êxitos comerciais, jamais de fracassos: ele não se torna o produtor de A Mulher do Meu Marido (2019, do próprio diretor Marcelo Santiago), Crô: O Filme (2013) e A Paixão de Jacobina (2002), convenientemente deixados de lado em prol dos belos O Caminho das Nuvens (2003), O Que É Isso, Companheiro? (1997) e O Beijo no Asfalto (1981). A biografia se tornaria muito mais realista caso reconhecesse os altos e baixos, comuns na carreira de qualquer produtor com uma carreira tão extensa quanto esta.

O cineasta Marcelo Santiago, associado à LC Barreto, não se priva de oferecer um produto institucional da empresa onde trabalha. Por mais interessante que seja a utilização de trechos de filmes para ilustrar os episódios narrados pelo produtor (personagens calando a boca uns dos outros quando se fala da ditadura, personagens assistindo à televisão quando se cita a cerimônia do Oscar), o procedimento soa óbvio em suas associações. Barretão, filme de 2019, resulta anacrônico ao valorizar apenas a formação do produtor, sem buscar entender de que maneira este trajeto se transformou e adequou aos moldes comerciais. Que percepção o protagonista teria do cinema de arte atual, por exemplo, ou mesmo dos filmes comerciais produzidos durante o Cinema Novo? Não por acaso, a menção aos trabalhos de LC Barreto se interrompe em 2003, com O Caminho das Nuvens, incluindo uma brevíssima citação a João, o Maestro (2017).

Embora o personagem esteja em vida, ativo e atuante na defesa do cinema nacional, o resultado visa constituir um filme-testamento, citando a eventual morte de Barretão e sublinhando o valor que terá para o cinema brasileiro, até a cena de conclusão, quando as principais personalidades da indústria audiovisual o aplaudem durante uma premiação. O documentário adquire um questionável caráter de obituário prévio, como nos grandes jornais em que se prepara a notícia de morte de personalidades em idade avançada, para terem a agilidade de publicá-las assim que for anunciado o falecimento. Aos espectadores que desconhecerem por completo a trajetória do protagonista, a narrativa terá servido para elucidar passagens de destaque, mostrando sua resistência à ditadura e a defesa da liberdade de Lula. Aos demais, restará um exercício retórico em sua essência, um presente luxuoso entre amigos.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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