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Sinopse

Crô está milionário, mas sente falta de algo em sua vida. Um dia, sua mãe parece em um sonho e ele começa uma jornada para encontrar a felicidade real.

Crítica

São tantos os problemas de Crô: Filme que é até um pouco complicado saber por onde começar. Afinal, ser crítico não se resume apenas ao ato de criticar no sentido negativo da expressão: é preciso também identificar estas falhas, reconhecer os méritos, orientar o espectador e esclarecer as razões pelas quais os resultados seriam melhores de outra forma. Apenas apontar os dedos não é suficiente: é preciso ir além, tentando compreender as causas destes erros e orientar para que os mesmos não se repitam, seja no exercer cinematográfico quanto, principalmente, na escolha da audiência. Esta deve, ao menos espera-se, que a partir destes argumentos se torne cada vez mais apta a não cair em óbvias armadilhas. Pois isso é exatamente o que temos aqui: algo feito para enganar os bobos, visando um lucro rápido e fácil, desprovido quase que inteiramente de qualquer valor, seja artístico ou estético.

Este é o segundo filme a chegar aos cinemas em 2013 baseado em um personagem criado pelo novelista Aguinaldo Silva, após Giovanni Improtta, de e com José Wilker. Mas se este era vazio baseado somente numa ingenuidade dos seus realizadores, Crô se posiciona num outro lado, mais malicioso e até mesmo prejudicial. Afinal, estamos falando do primeiro longa nacional tendo como protagonista um homem homossexual desde Madame Satã (2002) – ou seja, foi preciso mais de uma década para que o fenômeno se repetisse. Porém, se o tipo recriado por Lázaro Ramos era revolucionário, intenso e retratava uma época de luta e determinação, a criação defendida por Marcelo Serrado é quase anacrônica. É engraçado, pois não se trata de ser somente assexuado – ele passa o tempo inteiro atrás do motorista interpretado por Alexandre Nero (talvez o único em cena realmente preocupado em compor algo dramático, porém podado pela condução da trama), além de possuir um namorado (o sarado Carlos Machado, tão denso quanto uma chaleira). Ele é apenas insípido. Há até uma cena de casamento gay, porém não há um único abraço – quiçá um beijo – entre dois homens durante todo o filme. Tamanha assepsia chega a dar nojo.

A origem de todos os equívocos está, evidentemente, no texto de Aguinaldo Silva (também autor do roteiro). Acostumado a trabalhar em televisão, onde é constantemente cerceado pelas vontades da audiência e dos diretores da emissora, no escurinho do cinema ele deve pensar ser possível exagerar em tudo – na caricatura, no estereótipo, no clichê – porém nunca na verdade. São tantos os xingamentos em cena – alguns verdadeiramente ofensivos – que não há como não se incomodar, ainda que o espectador não seja gay, mulher, serviçal, estrangeiro ou mesmo de uma classe econômica mais humilde. É muita grosseria.

Por outro lado, chama atenção Crô: O Filme ser assinado por Bruno Barreto, o mesmo diretor que há pouco tempo exibiu o sensível Flores Raras (2013), sobre um casal lésbico interpretado por Gloria Pires e Miranda Otto. Os dois títulos não poderiam ser mais diferentes e distantes em suas propostas: enquanto o anterior denotava uma real preocupação em retratar um episódio verídico com fidelidade e respeito, este busca apenas o escracho, não importando o preço ou quem se posicione em seu caminho.

E qual a história de Crô: O Filme? Afinal, estamos tratando de um longa que se vende como comédia, mas é capaz de fazer as pessoas saírem chorando da sessão – se de raiva ou espanto, compete a cada um decidir. Pois quem poderá achar graça de cenas como essas: o protagonista levando uma coronhada na cara; mãe e filha bolivianas sendo exploradas numa fábrica de roupas clandestina; criança com fome tem uma bolacha roubada das próprias mãos pela vilã, que esmigalha o doce debaixo do seu sapato; socialite que responde a tudo no chicote (literalmente); motorista que defende o dono quebrando um taco de baseball (?) em mafiosos que invadem a mansão; tumbas no cemitério sendo invadidas por imigrantes ilegais fugindo da polícia; mocinha indefesa tendo que ser adotada por caridade, após sua mãe ser atropelada e morta? Nem o final feliz e artificial consegue convencer após tantos despropósitos.

Num resumo rápido, com a morte de sua patroa – no final da novela Fina Estampa (2011) – o mordomo afetadíssimo Crô (Serrado) herda a fortuna da vilã. A riqueza não impede uma crise profissional – ele tenta ser cantor, artista, cabeleireiro, e nada dá certo. Até que tem uma revelação do além – participação mínima de Ivete Sangalo, como a mãe do personagem – de que sua razão de viver é servir aos outros. Para isso decide entrevistar possíveis candidatas ao posto, estando entre elas uma deslumbrada Carolina Ferraz, dona de uma confecção que explora o trabalho escravo de refugiados de outros países. Deveria ser algo leve e engraçado, com confusões e desencontros. Ao invés disso temos algo vergonhoso, constrangedor e motivo de embaraço. Fala-se de temas sérios, porém ridicularizando-os, como se fossem motivo de deboche leviano. É o típico filme desprovido de humor inteligente – as apostas em busca do riso são todas preconceituosas e rasas. Evitá-lo, portanto, é menos uma questão individual e mais uma razão social, pois Crô: O Filme revela-se, ao seu término, um verdadeiro desserviço cultural.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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