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Sinopse

Neide é a dona de um salão de beleza em São Paulo. Divorciada, vive com Fábio Júnior, filho de 27 anos que não pretende sair de casa tão cedo. Em busca de independência, ela decide arranjar uma namorada para o jovem se casar e deixá-la sozinha em casa, finalmente. Neide encontra em sua funcionária Ciléia a nora perfeita, e começa a prepará-la para o casamento arranjado.

Crítica

Algumas comédias populares brasileiras estão tentando se modernizar, o que é ótimo. As salas de cinema e streaming ainda estão repletas de filmes sobre mulheres belas e burras, rapazes gays ridicularizados por seus trejeitos efeminados, asiáticos representados como nerds de pênis pequenos e outros preconceitos nocivos. No entanto, certos projetos visando o público amplo se arriscam a uma visão menos reacionária do mundo. A Sogra Perfeita (2021) imagina uma mulher negra, corpulenta e feliz com sua imagem, trabalhando de maneira autônoma num salão de beleza. Ela tem pequenos casos com pretendentes da região, sem manifestar a vontade de se casar. Neide (Cacau Protásio) encarna a classe média contemporânea a partir de um novo modelo de família: o ex-marido vive em outra casa, porém mantém relação cordial com a cabeleireira, e o filho adulto se recusa a sair de casa por ter comida e os cuidados da mãe. O texto insiste no símbolo do “leitinho" que o garoto Fábio Júnior (Luís Navarro) gosta de tomar, de maneira a ridicularizar a infantilidade desta relação. O roteiro escancara com orgulho a reconfiguração do modelo patriarcal, o que inclui o outro filho de Neide, um rapaz gay vivendo com o namorado. Nenhum destes fatores se converte em motivo de conflito: nota-se uma bem-vinda naturalidade na configuração.

Entretanto, o olhar progressista se sustenta até certo ponto. Por trás do olhar acolhedor e gentil às diferenças, certos fatores questionáveis perduram: para tirar o filho de casa, a mãe decide moldar a funcionária Ciléia (Polliana Aleixo) aos gostos do garoto. Jamais conheceremos as preferências da gata-borralheira, que acata sem contestação as ordens da patroa, as escolhas estéticas efetuadas por ela e o curso de preparar o leitinho do jeito que o moço gosta. Em outras palavras, a mulher se molda às preferências masculinas, enquanto Fábio Júnior não modifica um traço sequer de seu comportamento para se ajustar à menina. Há um misto de abuso de poder, alcovitagem e exploração trabalhista na relação entre as duas, onde a “sogra perfeita” ensina a caipira inocente como se converter numa empregada doméstica servil. De nada adianta conferir tamanha liberdade a Neide se esta autonomia se faz à custa da manutenção de um comportamento machista dentro de casa. O mesmo vale para a representação dos gays: Rodrigo Sant’Anna encarna uma enésima figura do tipo efeminado, disparando provocações a cada segundo de modo histérico, no modelo consagrado por Paulo Gustavo. Os gays menos espetaculares restam às sombras, talvez por não se considerar que sejam engraçados o bastante para os olhos do espectador majoritariamente heterossexual.

Em paralelo, a necessidade autoimposta de incluir o máximo de piadas possível faz com que diversas tiradas soem deslocadas, desesperadas em extrair o riso a qualquer preço. Por isso, ao invés de aproveitar o humor inerente às situações, o roteiro apela a intervenções externas e absurdas: o spray do mecânico no rosto da cliente do salão; a atendente hesitando entre colocar o avental na funcionária ou na cliente; um problema de reserva de horários no computador, que nunca surte efeito. Adiante, uma pipoca estourando será confundida com tiros numa sequência mal orquestrada e montada. Pela insistência, piadas de maior potencial diegético (a convivência com o ex-marido na casa ao lado) se misturam a meras travessuras de texto e gags fáceis (as participações especiais de famosos, o papel acessório da vizinha fofoqueira ou do rapaz planejando o closet). Como de costume nesse tipo de obras, o marketing de produtos que patrocinaram a empreitada é tão agressivo que beira o constrangimento - caso de uma marca de xampu e, principalmente, de uma marca de carnes, dentro de um segmento semelhante a um spot publicitário.

Em termos estéticos, a pressa em acelerar cortes e conflitos produz um tempo ora atropelado, ora dilatado a ponto de perder o impacto da ação. Minutos após apresentar Ciléia a Fábio Júnior, a mãe se exclama, no sofá: “Estou livre!”. Logo depois de empurrar a moça para o quarto do filho, Neide critica a garota por supostamente fazer sexo com ele tão rápido (há tantos problemas nesta sequência que seria difícil saber por onde começar). Quando os jovens se relacionam, eles apenas se beijam num parque de diversões e comemoram: “Feliz dois meses!”, “Feliz quatro meses!”, sugerindo o salto temporal sem trabalhar a impressão de passagem de tempo. Assim que a heroína afirma: “Está tudo dando certo!”, é óbvio que algo dará errado segundos mais tarde. Na contramão destas acelerações, o dilema do closet soa eterno, os flertes de Neide com o padeiro português, e de Eddy com o colega da funilaria, se estendem sem fim. Esta forma de comédia demonstra grande prazer em conceber conflitos, mas não em desenvolvê-los: a insinuação de um problema vale mais do que o problema em si. O universo fica desprovido de consequências, e as ações, de peso. Todo dilema pode ser resolvido com uma piada, um pedido de desculpas ou uma serenata. É importante garantir ao espectador, de antemão, que tudo terminará bem, razão pela qual o drama da mãe arrependida ou a crise do casal de namorados ostenta caráter de farsa evidente: qualquer espectador que tenha assistido a duas comédias românticas anteriormente poderá antecipar o fim do imbróglio.

Por fim, A Sogra Perfeita constitui um filme inofensivo, e orgulhoso em sê-lo. A ausência de ambições imagéticas e discursivas coincide com a impressão, um tanto preconceituosa, de que o conteúdo precisa ser simplificado e empobrecido para agradar ao gosto médio. Ora, ao mesmo tempo, o inteligente Galeria Futuro ocupa os cinemas, enquanto o circuito acaba de apresentar comédias populares internacionais ridicularizando o patriarcado (A Boa Esposa), a inação do Estado (As Invisíveis), a dependência afetiva (Minhas Férias com Patrick) e a exploração trabalhista (O Bom Doutor). É possível e, mais do que isso, necessário, elevar o nível da comédia popular, o que não significa alienar o espectador. Ao invés de um público sedento por obras fáceis e de linguagem rasteira, talvez tenhamos somente um grupo de pessoas acostumadas à única linguagem que lhes é oferecida. Graças à sua capacidade de comunicação, o humor carrega uma responsabilidade notável no que diz respeito à representação do mundo. A Sogra Perfeita se destaca levemente da média em comparação a exemplares conservadores. Em contrapartida, resta um caminho notável a percorrer, especialmente quando se dispõe de atrizes talentosas como Cacau Protásio no papel principal. 

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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