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Sinopse

Antoinette está à espera do verão e de uma semana romântica com seu amante Vladimir. Mas ele cancela o programa para passar um tempo com a esposa e os filhos. Antoinette resolve ir atrás dele para tirar a situação a limpo. Ao longo desta trilha solitária pelas montanhas, se encontra na companhia de um jumento chamado Patrick.

 

Crítica

As pessoas ao redor de Antoinette riem da cara dela. A professora da escola primária troca de roupa na frente das crianças, ensaia canções inapropriadas na apresentação de fim de ano, faz declarações de amor ao homem de sua vida quando a esposa dele está por perto. A jovem mulher poderia ser descrita como inconveniente, desprovida de traquejo social. Seria igualmente possível enxergar Antoinette enquanto alguém capaz de executar com sinceridade ações que outras pessoas sonhariam em desempenhar, mas não o fazem por pudor ou bom senso. Embora esteja distante de qualquer quadro de loucura – a mulher possui um emprego estável e uma vida funcional –, ela carrega esta liberdade incômoda dos loucos, das crianças e dos sonhadores. A heroína também se revela uma figura profundamente apaixonada, em nível que o cinismo do século XXI não permitiria mais. Diante desta figura do palhaço triste, a diretora e roteirista Caroline Vignal acredita na capacidade de rirmos com ela, manifestando ternura pela viajante deslocada. Este constitui um desafio notável de direção: de que maneira tornar a personagem divertida sem ridicularizá-la, e defender o romantismo sem cair numa ideologia retrógrada?

No papel principal, Laure Calamy assegura o sucesso da empreitada. A atriz tem se destacado em comédias escrachadas e alguns dramas, porém encontra na comédia dramática Minhas Férias com Patrick (2020) o terreno mais fértil para suas habilidades cênicas. Ela sabe brincar com o sorriso rasgado, de tom infantil, em conjunção com a voz falsamente assertiva diante dos alunos, e facilmente desmontada pelo confronto com outros adultos. Dispensada pelo amado Vladimir (Benjamin Lavernhe), ela mantém as férias românticas junto a um jumento batizado Patrick. A situação constitui algo ridículo em si mesmo: Antoinette não possui qualquer experiência na natureza, o animal não responde aos comandos, e o nome do bicho preserva a noção de uma escapada outro homem. Se esta premissa caísse nas mãos de alguns roteiristas pouco sutis das comédias populares brasileiras, o resultado provavelmente envolveria cocô de jumento, além de pessoas tropeçando e caindo. No entanto, a narrativa privilegia a melancolia. Ciente da tragicomédia inerente ao cenário, Vignal não exagera nos conflitos, nem na construção das imagens.

Em consequência, a estética se torna comportada até demais. A cineasta investe nos esperados planos de conjunto para valorizar em igual medida a personagem e a natureza. Assim, evita tanto os close-ups da comédia televisiva quanto a idealização do campo em oposição à cidade. Em cenas específicas, nota-se uma reflexão precisa das composições ao invés da mise en scène ilustrativa. Quando a heroína enfim percebe o absurdo de seus objetivos, dispara um imenso grito. Vignal a observa à distância, resistindo à tentação de mostrar a boca aberta berrando aos quatro ventos. Quando Antoinette enfim recebe uma mensagem de Vladimir, a atitude de submissão da professora é ressaltada por um contraplano do jumento, reprovando as atitudes de sua companheira de viagem. Mesmo sem ocultar o aspecto de panfleto turístico da região centro-sul da França, o projeto sustenta o ponto de vista da aventureira. Ela jamais se transformará numa pessoa melhor pelo contato com a natureza, ainda que inserida numa atmosfera assumida de autodescoberta, ou de curioso road movie a pé.

A relação com o animal se torna o elo mais sólido da narrativa. Enquanto os homens a abandonam ou desprezam, Antoinette encontra amparo no jumento, animal de feições pouco expressivas dentro do realismo, porém muito bem utilizado pelo roteiro. Os rumos da jornada podem ser previsíveis – alguém duvida que a dupla se tornará inseparável ao fim da travessia? –, porém se apresentam ao espectador com segurança e competência. Vignal evita os clichês catárticos de euforia e desespero, reservando um encontro excepcional com a professora e Éleonore (Olivia Côte), esposa de seu namorado. O roteiro ameaça com frequência defender os amores eternos (prometendo à figura traumatizada uma nova paixão para substituir a anterior), antes de segurar as rédeas e manter as interpretações mais abertas. Os atores são dirigidos de maneira contida, com direito a cenas potentes envolvendo o dono da pousada (Denis Mpunga) e a viajante Claire (Marie Rivière). A condução está menos preocupada em estabelecer reviravoltas do que atenuar o caos estabelecido no começo. Dia a dia, sem perceber, Antoinette faz as pazes consigo mesma.

Minhas Férias com Patrick transmite a sensação de um filme terapêutico, ao invés de um projeto de autoajuda – em outras palavras, ele não carrega lições de vida, apenas permite que a protagonista aceite suas limitações e desejos. Ao invés de se confrontar a modelos alheios – nenhum personagem pelo caminho se revela particularmente exemplar -, ela atravessa uma jornada íntima de autoaceitação. Em recompensa, adquire o direito ao anonimato: conhecida por todos os hotéis da região como “a maluca que procura pelo amante”, ela tem sua excentricidade diminuída aos olhares alheios, até enfim se deparar com um estabelecimento que a não conheça. Ao contrário de inúmeros filmes em que os personagens buscam a fama e o reconhecimento de terceiros, neste caso, Antoinette precisará descobrir o prazer de ficar só. Sem propor subversões de forma ou discurso, o projeto combina o cinema popular com recursos capazes de elevar o gênero acima das facilidades às quais costuma ser relegado. Além disso, confirma o prazer de encontrar com uma atriz no melhor momento de sua carreira, conduzindo-se com delicadeza impressionante para uma aventura envolvendo jumentos empacados e homens de caráter duvidoso.

Filme visto online no Festival Varilux de Cinema Francês, em dezembro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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