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Sinopse

Um novo aplicativo que promete prever o momento exato da morte de cada pessoa está virando uma febre. Mesmo a contragosto, Quinn decide baixá-lo, mas descobre que tem apenas dois dias de vida. Por isso, precisará lutar contra o tempo para sobreviver.

Crítica

A princípio, esta aparenta ser mais uma tentativa de conto preventivo sobre a nossa dependência de telefones celulares. O novo cinema de terror tem procurado, sem muito sucesso, explorar o aspecto sombrio da sociedade conectada, porém sem se desvencilhar de clichês anacrônicos. Isso implicou em histórias involuntariamente cômicas sobre celulares assombrados e celulares que matam. Por mais que se aprecie a metáfora, ela ainda resulta muito distante da angústia provocada pela espera de uma resposta via WhatsApp ou pela verificação constante de curtidas em uma foto, por exemplo. No entanto, A Hora de sua Morte (2019) adota um caminho diferente. Apesar de partir da ideia de um aplicativo de celular que anuncia com precisão a hora de sua morte, ele não se concentra no fator tecnológico deste anúncio. Os personagens não são pessoas dependentes de tecnologia, e o roteiro faz questão de precisar que tentativas de antecipar a morte datam de muito antes da invenção da Internet.

Deste modo, o verdadeiro discurso gira em torno do medo da morte e da nossa tentativa de superá-la. Quando descobrem a possibilidade de baixar o aplicativo Countdown, que indica os últimos segundos de vida, todos os personagens o fazem, desde a primeira cena (aliás, surpreendentemente mal iluminada e montada). Existe uma vontade de controle aplicada à finitude: os personagens com pouco tempo restante buscam imediatamente se proteger da tragédia anunciada, driblando o inevitável. É interessante que o roteiro esteja repleto de médicos e enfermeiros, ou seja, pessoas cientes da deterioração progressiva do corpo humano, acreditando piamente no aplicativo, ao passo que padres não creem de fato em demônios (“É só uma metáfora”) ou os apreciam enquanto figuras de ficção, a exemplo do exorcista nerd que coleciona histórias fantasmagóricas. Os personagens possuem uma crença racional na ciência, além de uma fé pessoal na religião, mas uma vez confrontados com a morte, abandonam estas estruturas em busca de sobrevivência. Nem Deus nem a medicina oferecem respostas viáveis diante da morte.

Ao mesmo tempo, A Hora da sua Morte brinca com sua própria premissa, algo louvável dentro de uma produção próxima do trash. Nesse sentido, aproxima-se de A Morte Te Dá Parabéns (2017), outro terror consciente de seus absurdos. O filme consegue extrair humor através dos padres católicos, dos geeks de lojas de informática e mesmo de cenas simples como uma faca cortando um bolo com excessiva violência. O diretor Justin Dec, estreante em longas-metragens, possui a consciência de lidar com um cardápio cinematográfico limitadíssimo – de modo geral, ele trabalha com os sustos tradicionais, incluindo silhuetas fantasmagóricas passando por trás dos protagonistas e efeitos sonoros altíssimos em momentos banais. Isso não o isenta de responsabilidade pelas escolhas, ou seja, a consciência da limitação não se transforma em qualidade nem inteligência. No entanto, permite que se instaure um distanciamento em relação às cenas inverossímeis, dependentes dos estímulos mais banais (lugares escuros demais, lâmpadas que se apagam sem motivo, reflexos não condizentes com o real etc.).

O aspecto mais interessante, ou pelo menos o mais ousado da produção, se encontra na tentativa de unir a trama do aplicativo mortal com os códigos do filme de exorcismo e com o rape and revenge film (ou seja, filme de estupro e vingança). Estas formas antiquadas de terror são adaptadas aos dias de hoje através da figura dos padres pop e dos colegas de trabalho assediadores como substitutos dos jovens estupradores em acampamentos, quarenta anos atrás. Estabelece-se certa equivalência entre a figura do demônio, da morte e do homem violador, como obstáculos mortais que a enfermeira Quinn (Elizabeth Lail) precisa combater com a mesma voracidade, ao mesmo tempo. Neste filme, superar um deles equivale a destruir os demais. Neste sentido, a contemporaneidade em A Hora de Sua Morte se encontra menos nos perigos dos celulares controladores do que na figura da mulher combatendo o machismo.

O filme seria muito melhor caso as cenas de assassinatos - passagens obrigatórias num projeto sobre o medo da morte - fossem bem desenvolvidas. Talvez por limitações de produção, as mortes violentas dos usuários do Countdown são ocultadas da cena, resumidas a gritos das vítimas e corpos caindo. Ora a morte constitui a figura tradicional vestida de manto preto, ora ela se traduz numa figura monstruosa de olhos coloridos. Em outros momentos, adquire “a aparência dos seus piores medos e traumas de infância”. Não existe a mínima coerência neste personagem tão importante, indefinido entre o natural e o sobrenatural. Num momento, o vilão possui corporeidade e arrasta pessoas pelos corredores, mas logo em seguida, atravessa portas do banheiro e apenas assusta as suas vítimas. Caso este adversário fosse bem definido, as limitações de produção e atuação seriam menos visíveis. De qualquer maneira, o projeto ainda consegue brincar com alguns medos interessantes e universais, aplicados a uma juventude depressiva, traumatizada pela falta de dinheiro, de trabalho e de estrutura familiar. Talvez estes sejam os principais medos abordados, em pano de fundo, pela trama do aplicativo mortal.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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