Grace Passô é uma das melhores atrizes do Brasil e, infelizmente, você ainda não a conhece. E a palavra chave aqui é “ainda”, ok? Afinal, ela está pronta para dominar as atenções de norte a sul do país. Com uma carreira de mais de vinte anos de atividades nos palcos, atuando também como diretora e dramaturga, já foi premiada pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, com o Prêmio Shell, Medalha da Inconfidência, Prêmio Bravo!, Questão de Crítica, Cesgranrio, SESC Sated, APTR, Faz Diferença e com o Leda Maria Martins, somando quase 20 troféus em sua estante. Agora, no entanto, chegou o momento de estender esse talento para outras áreas. Após uma rápida participação na série O Caçador (2014), da Rede Globo, se prepara para tomar conta da tela grande. Com Praça Paris (2017), seu primeiro trabalho como protagonista no cinema, ganhou o troféu Redentor de Melhor Atriz no Festival do Rio. E foi sobre esse trabalho, que chega agora ao circuito, que fomos conversar com ela. Confira!
Olá, Grace. Como surgiu o convite para Praça Paris?
Eu trabalho como atriz há mais de 20 anos, e também sou dramaturga. Ou seja, também não foi uma aposta maluca da diretora Lúcia Murat (risos). O que aconteceu foi que, enquanto estava fazendo uma pesquisa para uma peça de teatro sobre a Guerrilha do Araguaia, acabei entrando em contato com ela. Afinal, a Lucia foi uma das guerrilheiras urbanas mais ativas desse período. Nosso primeiro contato foi assim, quando a entrevistei para buscar informações, afinal, minha intenção era fazer essa peça. Só que nossa conversa foi tão boa que acabamos nos conhecendo, estendendo essa relação para além daquele momento. Mais tarde, ela e o produtor de elenco, Gabriel Bortolino, me chamaram para uma conversa sobre o filme. Dessa vez, foi o contrário: eles é que me fizeram um convite.
Mas foi direto para atuar no filme? Como foi esse contato?
A Lúcia havia ficado interessada em mim, no que eu poderia agregar ao projeto, imagino. Só que eu nunca tinha feito cinema de verdade, só uma ou duas pontas, coisas muito pequenas. Então, claro, era mais uma sondagem pra parte deles. Me chamaram para fazer um teste, para ver como eu me sairia. Não lembro agora, ao certo, o que foi que fiz, mas era uma cena do filme, já tinha roteiro e tudo. Acho que foi uma cena no consultório, que são as passagens-chave do filme, acredito. E pelo jeito deu certo, já que ela gostou e acabou, então, me oferecendo o papel.
Como assim, você nunca havia feito cinema antes? Explica melhor isso.
Eu, antes do Praça Paris, fiz apenas uma participação no Elon não Acredita na Morte (2016) – que é, aliás, um filme que gosto muito. Ah, fiz também uma ponta no O Roubo da Taça (2016), foi divertido, mas nem lembrava, de tão pequena que foi. Mas, pra mim, foi no Elon que acendeu esse desejo de me aproximar mais do cinema, de ter mais experiências. Foi ali que comecei a me interessar por essa forma de expressar minha arte, mais por dentro da coisa, mesmo. Quando surgiu o convite da Lúcia, tinha recém passado por essa experiência. Veio no momento certo. Achei que poderia ser interessante viver uma personagem que possui uma importância grande na trama, em que a ação realmente gira em torno dela.
Você já conhecia o trabalho da Lucia Murat? Ela era uma das diretoras com quem você desejava trabalhar?
Conhecia, claro. Já me interessava pelo trabalho dela, mas estar em um filme dela mexeu muito comigo. Lembro, quando era muito pequena, da minha família assistir ao Que Bom Te Ver Viva (1989), que é um dos primeiros filmes dela. Aquilo me marcou muito, pois foi uma das primeiras vezes que assistia a um longa com tantas mulheres. Aquilo marcou a minha infância. Depois, mais tarde, acabei vendo outros trabalhos dela, tinha essa curiosidade. Interessava, de alguma forma, esse olhar crítico da história do Brasil que ela conta em cada novo projeto. A Lúcia fez parte da minha formação como artista, claro. Havia na figura dela várias coisas que me chamavam atenção, e a possibilidade de ser dirigida por uma mulher vinha de encontro com essa minha intenção de ter um olhar crítico, também. Isso foi o que mais me chamou atenção, desde o começo. A aproximação com ela, para mim, foi a realização de uma vontade muito antiga, além da possibilidade de exercer essa curiosidade, de acompanhar de perto uma mulher tão bem-sucedida no cinema nacional.
Como é a tua relação com o cinema? Você, até então, era mais uma atriz de teatro. Imagino que após Praça Parisa situação esteja mudando.
Pois após o Praça Paris já fiz mais dois longas. Agora cheguei e não vou mais embora. O primeiro deles é dirigido pelo André Novais, e se chama Temporada. Esse deve ser lançado ainda nesse ano, e sou a protagonista também. O André é um cara pelo qual sempre me interessei pelo olhar, pela poética dele. Neste filme apareço como uma mulher na quebrada da vida, que está passando por um processo de transformação muito grande. E o André joga uma lupa nesse exato momento de mudança de lugar, de cidade, de relação amorosa, de amizades. É um pouco sobre essa temporada importante na vida dela.
E o que você pode nos adiantar sobre o projeto seguinte?
O outro longa também foi feito pela Filmes de Plástico, que é uma produtora muito ativa aqui em Belo Horizonte. Ele se chama No Coração do Mundo, e conta com dois diretores, Gabriel e Maurilio Martins. É também uma personagem bem interessante, a Selma. Ela é uma mulher que resolve tramar um roubo num condomínio de luxo. E ainda que seja um drama, está inserido naquela história dos gêneros que se misturam, então tem também suspense, um pouco de comédia. Mas o barato é a perspectiva que lançam sobre ela, que é muito afetuosa. Há um foco na relação dela com o filho, com a mãe. Essa contradição de ver uma mulher tão afetuosa e que, ao mesmo tempo, está envolvida em um grande roubo, foi o que mais me interessou.
Ou seja, o cinema veio para ficar na tua vida, então?
Com certeza. E sinto que estou crescendo bastante nessa área. Mas é, também, reflexo de algo muito natural, à medida em que sou atriz, antes de qualquer coisa. Não sou “atriz de teatro”, ou “atriz de cinema”. Sou atriz, e, sendo assim, posso fazer qualquer coisa. O Cinema é um universo da minha área de trabalho, entende? Quero me aproximar dele cada vez mais. E já está acontecendo.
Voltando ao Praça Paris. A Gloria é uma mulher quase invisível, ao menos no começo do filme. Como foi compor essa personagem?
Pra mim, o maior desafio era conseguir compor uma pessoa, uma figura, uma personagem que conseguisse ser real aos olhos do espectador e, acima de tudo, pra mim mesma. Era importante vencer alguns estereótipos. Da violência, da mulher periférica, toda essa carga que vem junto. Se olhasse só para o que estava escrito, ela era uma mulher má, sabe? Agora, como ir além disso? Era preciso colocar essas características perigosas, que habitam em torno dela, como algo contraditório. Era preciso humanizá-la, e não julgá-la. Nem fazer dela uma vítima social, por outro lado. Seria muito fácil tratá-la como as mulheres desse lugar são vistas. Apesar de viverem em um meio de muito violência, elas vão em frente, estão na luta do dia a dia. São vencedoras e, acima de tudo, inteligentes, pois conseguem vencer a indigna situação em que o estado as coloca. Apesar de tantas coisas com o que trabalhar, poderia acabar num estereótipo, e essa nunca foi a nossa intenção. Por isso tive que construir uma mulher inteligente e interessante, humana, complexa.
O que você tem de similar e de diferente com a Gloria?
Nossa, tenho muita dificuldade diante de uma pergunta como essa. Primeiro, não sei nem por onde começar. Não consigo visualizar a personagem como algo extremamente distante de mim, à parte, entende? Claro que, numa trama, o personagem faz suas coisas de um modo muito diferente de como eu agiria na minha vida. Mas o que existe no exercício da atuação é a tentativa de se aproximar de outros universos. É a tentativa de se colocar em outros contextos, e se imaginar como você reagiria. Por isso, não sei muito o dizer nesse caso. Quase que não existem essas diferenças. Mais do que um personagem, pra mim, a Gloria é um contexto humano. Como foi eu que fiz essa personagem, ela é parte de mim. E me preocupei em defender essa pessoa, a perspectiva dela, em relação ao que o filme pede.
Por Praça Paris, você foi premiada como Melhor Atriz no Festival do Rio. O que isso significou para você?
Fiquei muito feliz, claro. Foi uma felicidade imensa, e por muitos motivos. É o meu primeiro filme de verdade, sabe? Minha primeira protagonista. Também porque consigo reconhecer que esse trabalho é muito maior do que eu, é óbvio – é da Lucia, é de toda uma equipe. Porém, mais do que uma técnica, há um pensamento em relação ao que era preciso dizer. Ao perceber o quanto isso era visível e estava sendo percebido pelas pessoas, veio um sentimento de realização, de ter feito a coisa certa. Só tive muitas alegrias com esse trabalho, mesmo.
(Entrevista feita por telefone na conexão Porto Alegre / Belo Horizonte em abril de 2018)
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