Após estudar atuação no Brasil, Carolina Monte Rosa decidiu, em 2008, se mudar para Baltimore e cursar o mestrado em Liberal Arts na Universidade John Hopkins. Com isso, foi se aperfeiçoando, e ao mesmo tempo em que se ocupava com a teoria, ia exercitando também a prática. Estreou “em Hollywood” fazendo uma ponta na série Mad Men (2007-2015), passou por mais estudos em Nova Iorque e em Los Angeles, e atuou ainda na comédia A Minha Casa Caiu (2014), ao lado de Elizabeth Banks e James Marsden. Ao voltar para casa, se reencontrou com a diretora Cibele Amaral, com quem já havia trabalhado em Um Assalto de Fé (2011), e dessa nova parceria nasceu Por Que Você Não Chora? (2020), drama que teve sua primeira exibição no 48o Festival de Cinema de Gramado. E foi logo após essa sessão que a atriz conversou com o Papo de Cinema, para falar um pouco mais sobre esse que é um dos seus primeiros papeis como protagonista. Confira:
Olá, Carolina. Como você foi convidada para participar de Por Que Você Não Chora?
Bom, não foi bem uma questão de convite (risos). Foi mais ou menos assim. Quando voltei para Brasília, depois de ter estado uma temporada nos Estados Unidos, segui indo para São Paulo toda semana, para continuar com os meus estudos. Não podia parar, pois acredito muito no aperfeiçoamento pessoal. E assim seguiu durante dois anos. Queria trabalhar, fazer contatos, e estava analisando as possibilidades. Acontece que sou fã da Cibele Amaral, que também estava em Brasília. Fui atrás dela, e desse encontro surgiu a ideia de fazermos um filme juntas.
Desde o começo, então, era claro que você seria a protagonista?
Quando pensamos em abordar a depressão, chegamos a conclusão de que esse era um tema que seria melhor trabalhado em teatro. Nossa vontade era abordar o Transtorno Borderline e suas consequências. Até a Cibele pensar em um roteiro para cinema, levou um tempo. Seguimos trabalhando, pesquisando, até que decidimos nos voltar para o suicídio, sua psicologia e os transtornos mentais envolvidos. A minha sorte foi ter estado ao lado de uma profissional comprometida, sabia que com ela teríamos um ótimo filme. Estávamos, todas, muito empenhadas. Em 2017 conseguimos filmar, e somente agora é que ficou pronto. Talvez, no começo, não sabíamos ainda qual seria o meu papel, o tamanho do meu envolvimento. O filme, afinal, é sobre essas duas mulheres, a Jessica e a Bárbara (papel que ficou com a Bárbara Paz), e não apenas sobre uma delas.
Quem é a Jessica? Fale um pouco sobre ela.
A Jessica é uma figura interessante, porque a princípio é uma mulher muito simples. Apática, não se relaciona bem com as pessoas. Não é querida, e também não gosta de ninguém. Só que, nesse ponto, nos surgiu essa dúvida: “quem ia querer assistir a esse filme?”. Como defender essa personagem? Tinha que ter um nível de entrega grande para entender o que se passa com ela. Representa esses invisíveis, as pessoas insossas. Ainda mais quando a contrastamos com uma borderline, que é a vida em pessoa. Era alguém que precisava descobrir o que é estar vivo. Foi uma experiência muito forte entrar em contato com essa sensação de exclusão, engolindo os próprios sentimentos. Enquanto atriz, era algo que nunca havia vivido. Era desesperador passar por isso. Todo mundo tem as suas emoções, mas alguns simplesmente as engolem, trancam dentro de si. Até que explode ou implode. Ela tem a catarse, a possibilidade de ter outro rumo, mas por falta de uma rede de apoio, as coisas desandam. Essa é a mensagem do filme, que é preciso ter cuidado, ressaltando a importância da família, dos amigos.
Há muita gente bacana no filme. Como foram essas parcerias em cena?
Ah, foi extraordinário. Nem sei explicar como tivemos essa sorte de juntar todas essas atrizes tão talentosas. Pra mim, que cheguei de fora e não havia feito nada por aqui antes, só a oportunidade de trabalhar com esses nomes já foi um presente e tanto. E até um pouco intimidador, confesso. A Cristiana Oliveira, por exemplo, foi super generosa, me deixou muito à vontade. Além de uma excelente atriz, foi uma grande colega no set. E o que dizer da Elisa Lucinda? Com aquele vozeirão todo a gente até fica intimidada, mas basta se aproximar pra ver o doce de pessoa que é. Foi tudo muito legal, aprendi pra caramba com todas elas.
Você e a Barbara Paz formam uma dupla forte no filme.
Essa conexão entre nós, que você se refere, foi muito real. Não tivemos leitura de mesa, fizemos sem ensaio, nada. Gravamos de cara. Ou seja, essa ligação entre nós duas aconteceu no set, mesmo. A preparação inicial que fiz, para tentar entender a psicologia da personagem e dos perfis clínicos que está estudando, foi de grande ajuda. Quem era essa Barbara, afinal? Enfim, tirei muito da psicologia, e a Cibele, que é também psicóloga, sabia bem que tipo de personagem queria. Quando a Barbara Paz chegou, tive que adicionar também o fator da magia do momento, pois iria conhecê-la naquele instante. Aconteceu uma química poderosa, e também bastante fácil. Sem esforço, as personagens estavam lá, tudo se encaixou.
Como foi atuar ao lado dela?
Foi intenso. Tenho muito respeito pelo trabalho da Barbara Paz. Ela é um pouco intimidadora, o que, preciso dizer, foi ótimo para a personagem. Então, deixei crescer esse sentimento. O grande barato, que acho corajoso, são as escolhas que essas mulheres fazem. Talvez se interessem pela história da Barbara – a personagem, digo. É maravilhoso de ver. Foi um risco, mas consciente. Desde 2017 estávamos mastigando esse filme. Após tanto estudo e pensar a respeito, optamos por contar o lado daquela que era invisível, que passaria em branco. Eu, particularmente, fiquei muito feliz, Foi um choque me ver no filme pela primeira vez. Mas estou recebendo muito feedback, o público ficou tocado por ela. Tem sido emocionante.
Depressão e suicídio são questões fortes. Como foi trabalhar isso no filme e buscar o tom exato da narrativa?
A Cibele quis fugir dos estereótipos. Não era a mulher histérica que interessava, era o vazio absoluto o ponto de atenção. E eu era essa mulher, a contida. Em várias cenas chorei, pois não aguentava, mas me mandava engolir. Não tinha como, mas precisava. A Jessica era machucada, não sabe o caminho de se proteger, algo que aprendi, por exemplo. A diretora tinha segurança do que estava falando, por conhecer de perto essa realidade. Outra coisa era que o objetivo era fazer um relato cru, sem glamourização. [ALERTA DE SPOILER] O suicídio, no final do filme, é elegante, respeita o público. Existia uma imagem, até chegamos a gravar, mas optamos por deixar de fora, por respeito. Preferimos nos voltar à questão, e não reduzi-la a apenas uma cena de impacto. Pelo contrário, nossa vontade era buscar um carinho, propor essa reflexão.
O que significa para você estar no 48o Festival de Cinema de Gramado?
Puxa, tem sido uma vitrine maravilhosa. Muita gente está arrasada por não ter a versão tradicional, mas posso dizer que só tive a parte boa. Estou contente, muitos viram o nosso filme, que de outra forma não teriam tido como assisti-lo. Todo dia tem gente entrando em contato, pedindo por reprises. Essa democratização do acesso foi uma saída inteligente, estou feliz por estar no festival e ter tido essa oportunidade de gerar o debate. Estamos sendo convidadas para irmos nas faculdades, participar de conversas a respeito. É um aval de pessoas importantes da psicologia, que fazem questão de discutir a respeito. Mexeram comigo, nos colocam perguntas embasadas, que mostra que se envolveram profundamente com a nossa história. Só por ter aberto essa porta e nos dado essa chancela, estamos mais do que satisfeitas!
(Entrevista feita por telefone em setembro de 2020)
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