Mesmo sem nunca ter pisado na Serra Gaúcha, Ingrid Guimarães recebeu, durante o 51o Festival de Cinema de Gramado, o troféu Cidade de Gramado, uma homenagem pelo conjunto de sua carreira. E essa escolha não foi feita sem merecimento. Estrela de algumas das maiores bilheterias de todos os tempos do cinema nacional, ao longo de uma carreira que está completando três décadas já interpretou diversos personagens na tela grande, além outros tantos nos palcos e na telinha. Depois de uma série de participações menores, teve a grande virada ao estrelar De Pernas pro Ar (2010), de Roberto Santucci, que ganhou duas continuações e consagrou seu nome como uma das maiores comediantes do país. Mas ela não estava satisfeita. E foi atrás de dramas e suspenses, de aventuras apocalípticas e romances adultos, de novelas e seriados. Como diz, sempre em busca pelo próximo desafio. O Papo de Cinema esteve com a atriz – e agora também roteirista e produtora – durante sua passagem pelo festival, e repassou a carreira dela a limpo, relembrando seus trabalhos mais marcantes, as apostas que surpreenderam, as parcerias que fizeram diferença e os próximos projetos que deverão chamar atenção de fãs e curiosos. Confira!
Você foi homenageada no Festival de Cinema de Gramado pelo conjunto de sua carreira. Na ocasião, comentou que comediantes geralmente não são lembrados em eventos desse porte. Como foi ocupar esse espaço?
Achei revolucionário. Fui olhar vencedores anteriores, e só encontrei artistas com fortes relações com filmes dramáticos. Só de terem lembrado de mim já me surpreendeu. Foi bonito. Aceitei com o maior orgulho, com amor. Afinal, não foi uma homenagem só para mim. É um espaço que se abre em festivais para reverenciar um cinema que muitas vezes é considerado menor. Quando entrei no cinema e comecei a fazer sucesso, entendi que existe uma certa rivalidade entre quem faz comédia e quem faz drama. O popular e o erudito. E não só aqui: é assim no mundo todo.
Como se fazer comédia fosse muito fácil, seria isso?
Exatamente. Como se todo mundo soubesse fazer rir. Ainda mais no cinema. As etapas para um filme dar certo são mais difíceis do que na televisão ou no teatro. No palco, você faz na hora. Na telinha, veja bem, fiz um programa de humor por quatro anos e meio. Você até consegue ter esse retorno se a piada funcionou ou não, e é possível tentar de novo. Você tem um tempo, tem 26 cenas, dá pra refazer o que quiser. E na edição ainda dá pra dar uma mudada. Já o cinema é uma arte artesanal. Não pode ficar repetindo até chegar ao ideal constantemente. Cinema é muito caro. Quando chega na edição, vira arte do diretor, não é mais o ator que decide.
Acontece de, quando o filme fica pronto, você assistir e se deparar com algo diferente do que estava imaginando?
Nossa, em diferentes graus – uns mais, outros menos – isso acontece sempre. Nunca é igual. Veja bem, a comédia pode ser destruída na edição. E vice-versa. É uma questão de ritmo. Participei de filmes que, quando vi o que tinha sido filmado, pensei: “isso não vai funcionar”. Mas daí fomos para a ilha de edição e corta daqui, tira dali, e acabou dando certo. Tudo é timing, é tempo de cena. E quando chegou ao público estava maravilhoso. É dificílimo dar certo. Então, quando vejo esse tipo de carinho, chego a pensar: “por que não ter um kikito de comédia? Uma premiação específica para comediantes?” Tô botando essa pilha agora, é a minha nova militância. Não que a gente precise de prêmios, mas é um incentivo, uma forma de valorização. E são gêneros diferentes, é difícil comparar uma história muito triste, que te faz chorar, com uma mulher que está tentando ter um orgasmo. As lágrimas são muito valorizadas.
Gramado é um dos festivais de maior visibilidade no país, e já reconheceu, em edições anteriores, nomes como Renato Aragão e Xuxa, artistas de alta comunicação com o público. Você se vê ocupando esse mesmo espaço?
Graças a Deus! Adorei estar junto dessa turma. Também tenho uma comunicação bacana com um público mais amplo. Não precisa nem ser um kikito, pode até ser outra premiação. Já pensou, juntar esses dois lados em um só palco? Assim iremos atrair estes públicos, quem gosta de um cinema autoral e muito bom que o Brasil tem, pelo qual a gente é reconhecido no exterior – eu adoro ver filme dramático – e também quem sabe fazer graça. Ambos iriam se beneficiar.
Ingrid, você é uma ótima atriz dramática.
Você acha mesmo? Não sei (risos).
Lembro de você em Depois Daquele Baile (2005), do Roberto Bomtempo.
Nossa, como você lembra disso? Foi o meu primeiro filme… quer dizer, o primeiro foi Avassaladoras (2002), mas lá era só uma ponta. Mas você tem razão, Depois Daquele Baile foi a minha estreia como atriz dramática. Adoro esse filme, foi uma experiência legal. Que bom que você lembrou dele. As minhas lembranças são as melhores. E como não seriam, tendo como colegas a Irene Ravache, o Marcos Caruso e o Lima Duarte, gente? Foi o máximo. E o Roberto Bomtempo foi um ótimo diretor para nós. Pena que não fez outros filmes. Ou fez? Se fez, não me convidou, o que é péssimo (risos).
(N.E.: O ator Roberto Bomtempo comandou apenas mais um longa, o drama Mão na Luva (2013), co-dirigido em parceria com José Joffily)
Você nunca havia estado antes em Gramado, mas um filme contigo já havia concorrido – e sido premiado. Foi o Um Homem Só (2016), da Claudia Jouvin.
Que é, também, um filme mais dramático. Mas foi um papel pequeno. Felizmente, tenho bons amigos, que me chamam para fazer uma coisa ou outra. Com esse foi isso que aconteceu. A Claudinha era minha amiga, então, quando me perguntou se topava participar, aceitei na hora. Gosto de me experimentar nesse lugar. Assumir riscos é algo que me estimula. Fiz um filme, que ainda não foi lançado, chamado Sofá (2019), que está bem nesse lugar da experimentação.
Eu vi Sofá.
Você viu? Como assim? O Sofá do Bruno Safadi? Com o Chay Suede? Como você viu, se ainda não estreou?
Passou em alguns festivais. Como no Festival Ecrã. Até conduzi um debate sobre esse filme na ocasião, a convite do festival.
Nossa, como não fiquei sabendo? Me fala o que você achou?
É incrível. E bem diferente. Tenho um carinho enorme pelo João Pedro Zappa, que também está nesse filme.
O Zappa é maravilhoso. Amo ele de paixão! E é um baita ator. Foi ótimo estar com ele nesse set. Mas, sabe, ainda estou chocada de descobrir que você viu esse filme. Ninguém que conheço viu esse trabalho até hoje. Tu é o primeiro! E o resultado é muito doido. O Bruno fez uma edição normal, e depois uma bem alternativa. Tinha cena de cabeça pra baixo (risos). Esse filme não tinha nenhum recurso, tanto que fiz de graça. Na época estava fazendo uma novela com ele, nosso diretor, e me apaixonei. É um cara genial. Quando me disse: “quer fazer essa experiência com a gente?”, disse que queria. Filmamos em seis dias.
Diga uma coisa: por quanto tempo ainda vai agradecer à Gloria Pires?
Não vou agradecer mais, em Gramado foi a última vez (risos)! E você acredita que estamos pensando em fazer um filme juntas? Ela que me chamou, e na hora disse: “por favor!”. Mas é claro que aumento um pouco, conto como uma piada. Faz parte do meu repertório.
Conta melhor essa história.
Fiz uma entrevista com ela uma vez, num programa que tinha na GNT, e me disse: “Nossa Senhora, Ingrid! Para de falar isso! Graças a Deus que foi você, porque eu não faria aquilo bem, não!”. Mas o que aconteceu, de fato, foi isso: ela foi convidada primeiro para fazer o De Pernas pro Ar (2010), só que acabou não rolando. E depois me chamaram. E isso mudou tudo para mim.
Foi quando se deu conta que, enfim, havia virado uma atriz de cinema?
Sabe o que acontece? A gente não é do mercado do cinema, não faz parte da turma. Tem isso, afinal, sou de Goiânia, não nasci no Rio de Janeiro. Em Goiás tem a música sertaneja, mas o cinema por lá não é tão forte. Como em Porto Alegre, por exemplo. Ou no Ceará, em Pernambuco. Então, demorei pra entrar nesse círculo fechado. Fazia tudo que é teste, fiz participações pequenas, trabalhei com a Mara Mourão no Alô?! (1998) e no Avassaladoras (2002). A minha praia era a comédia. Mas não conseguia um espaço maior. A minha panelinha era do teatro, era dali a minha formação. E do palco fui para a televisão, trabalhei com a Heloísa Périssé no Sob Nova Direção (2004-2007). O cinema veio só mais tarde.
Como se deu essa virada?
Brinco dessa coisa com a Glória porque nem mesmo eles, os produtores do De Pernas pro Ar, me viam como protagonista. Lembro de ouvir o pessoal comentando: “mas a Ingrid nunca fez cinema”, e coisas do gênero, sendo que já tinha quatro ou cinco filmes no currículo. E havia ainda a estranheza de ser uma mulher comediante. As poucas que conseguiam esse espaço, na época, eram a Regina Casé ou a Fernanda Torres, que são de uma geração um pouco acima da minha. Tinham uma história com o teatro carioca, com os diretores, cresceram juntos na praia, indo nas mesmas festas. É diferente da menina que veio lá de Goiânia sem conhecer ninguém.
Como foram pensar em ti para o De Pernas pro Ar?
De Pernas pro Ar era um filme idealizado para uma atriz tradicional, de novela. Mas o Paulo Cursino e o Marcelo Saback, roteiristas, escreviam para mim no Sob Nova Direção. Eles me conheciam e me indicaram. Tinha feito sucesso no teatro, na televisão, mas o cinema não tinha me descoberto. Se você voltar para o início dos anos 2000, até os filmes de comédia eram protagonizados por atrizes de novela. Teve um que a Perissé fez uma participação, Sexo, Amor e Traição (2004), cujas protagonistas eram a Malu Mader, a Alessandra Negrini. Não era a comediante de formação. É por isso que sei como foi difícil para as mulheres da minha geração que hoje estão aí, como a Monica Martelli, a Fabiana Karla, a Katiuscia Canoro. Quando falamos entre nós, esse é o consenso: tivemos que lutar por esse espaço, nunca fomos a primeira opção no começo.
Quando o De Pernas pro Ar caiu no teu colo, pensou de imediato que ali estava a grande chance?
Não, a ficha demorou a cair. Lembro de estarmos todos da equipe sentados em torno da mesa e o Bruno Wainer, da Downtown, a distribuidora, falou assim: “se a gente fizer 500 mil espectadores, podemos nos considerar vitoriosos”. Lembro bem dessa marca. No final, tivemos mais de 3 milhões – o primeiro, né? Porque o segundo chegou quase nos cinco milhões. Poxa, era um filme com vibradores, acho que hoje em dia nem poderia mais ser feito desse jeito. Imagina, tem uma cena da minha personagem gozando enquanto assiste a um jogo de futebol de crianças. Tem noção? Meu filho tinha 8 anos, e eu ali, berrando que nem uma louca (risos). Porém, no meio disso tudo, me veio essa certeza: “esse é o personagem da minha vida”.
De uma hora para outra, tudo mudou.
Não é que fui de coadjuvante a protagonista da noite para o dia. A Mariza Leão, nossa produtora, diz que sonhou comigo numa noite. Ao acordar, ligou para o Maurício Farias pra saber mais a meu respeito. Depois chamou o Selton Mello, com quem havia feito Meu Nome Não é Johnny (2008), e foi quem confirmou: “ela é ótima, pode chamar”. Nossa, conheço o Selton desde a época do tablado! Foi uma conjunção de fatos, na verdade. Sei que houve uma resistência no começo quanto ao meu nome, mas decidiram experimentar. E, na hora que fechei o negócio, o que aconteceu? Fiquei grávida.
Só uma mulher para entender outra mulher, certo?
Exatamente. Foi a Mariza Leão quem disse: “ok, vamos esperar até ter condições de voltar ao set”. É por isso que serei para sempre grata, dedico a ela todas as minhas conquistas. Quando entrei no set pela primeira vez, ainda estava amamentando. Lembro do Roberto Farias, que na época estava na Globo Filmes, que chegou até mim e disse: “olha, Ingrid, faça o seu melhor, mas não fique presa em nada. Pega tudo o que fez de sucesso até agora e coloca aqui, porque no cinema é uma chance só”. Aquilo me libertou. Mas tive também sorte de principiante, confesso. O roteiro era a minha cara.
Essa personagem é definidora na tua carreira? É um antes e um depois?
Definidora, com certeza. Claro que tive personagens incríveis. Como as do Cócegas, em algumas novelas também. Teve a portuguesa Elvira Matamouros, na novela Novo Mundo (2017), que foi importante. A Ângela, do Fala Sério, Mãe! (2017). Mas como a Alice Segretto, na trilogia De Pernas pro Ar, não teve igual. Ela fez uma revolução na minha carreira. Foi o papel que me colocou, pela primeira vez, num lugar de protagonista. E não só isso. Tem filmes que fazem sucesso, mas não permanecem. Eu mesma, tenho vários filmes que fiz que até fizeram algum barulho no lançamento, mas depois sumiram. O De Pernas pro Ar ficou. As pessoas lembram até hoje. Fala da mulher no empreendedorismo, pensando do próprio corpo. Foi a minha entrada.
Tem um filme teu que acho particularmente interessante, o Loucas pra Casar (2015).
Adoro esse filme! É o melhor roteiro que já trabalhei. E é do Marcelo Saback. É uma comédia com twist. Gosto muito. Lembro quando tava em exibição, ia no cinema assistir, ficava no fundo da sala, e via todo mundo sendo pego de surpresa. Outro que amo, como disse antes, é o Fala Sério, Mãe!. Acho muito bonito.
Na época no lançamento deste, fiz uma entrevista contigo que foi bem bacana. A parceria tua com a Larissa Manoela fluiu bem?
Muito bem. Tanto que estamos querendo, agora, fazer a continuação. Há tempo discutimos essa possibilidade. Queremos falar dessa criança que cresceu, que saiu de casa.
Te sente confortável no papel da mãe?
Sim, muito de boa. Sou mãe desde o De Pernas pro Ar, né? Na vida e na ficção (risos). Lembro que, depois desse sucesso, me ofereceram diversos projetos estrelados por mulheres separadas. Ou solteiras, na febre que virou o Os Homens são de Marte… E é pra lá que eu Vou! (2014), da Monica Martelli. Nossa, todos muito parecidos. Mas tinha ela fazendo isso, né? E somos muito amigas. Então pensei comigo mesma: “quero fazer uma coisa diferente”. Minha filha, na época, era muito pequena, e nunca tinha podido assistir a um filme meu. Não ia mostrar eu gozando no De Pernas pro Ar, o Sofá ela nem ia entender, o Loucas pra Casar tinha outra pegada. Então o Fala Sério, Mãe! veio para ocupar esse espaço. E adorei.
Outro filme diferente, que fica entre o drama e a comédia, é o Entre Idas e Vindas (2016), do Belmonte.
É um meio termo. É uma ‘belmontizada’, digamos. Tem uma proposta madura. Queria me renovar depois de tantas comédias escrachadas. Naquele momento, só chegavam até mim roteiros populares. Chega uma hora que você se repete, e não queria fazer tudo igual. Só que estava apaixonada pelo cinema, por tudo que envolvia o set. Amo de verdade.
Começou pelo teatro, fez sucesso na televisão, mas o cinema é a tua casa agora?
Não posso dizer que o cinema é a minha casa porque fui criada no teatro. O palco é a minha casa. Mas estou há um tempão sem fazer, tá difícil conciliar. E, entre televisão e cinema, não há dúvida alguma: cinema é a minha paixão. “Você quer fazer uma novela ou um filme?” Vou responder “um filme” em todas as oportunidades. Fui para a Amazon por isso, porque queria fazer cinema. A pandemia parou tudo, então foi essa oportunidade que me atraiu: “lá vou fazer os meus filmes”.
Quem foi para a Amazon contigo foi o Lázaro Ramos, que tem se aventurado também como diretor. Você tem esse desejo de atuar nos bastidores?
Todo mundo tá me perguntando isso e digo bem rápido: “não” (risos). Comecei há pouco a co-produzir os meus filmes. O primeiro vai ser o Minha Irmã e Eu, com a Tatá Werneck. Te confesso: não sabia se me preocupava com a minha cena, com o figurino, com a diária que tava muito grande… fiquei louca! É muito doido. E sou uma das roteiristas também. Eu e o Célio Porto, a Verônica Debom… tem uma turma legal. É uma ideia original minha e da Tatá. A gente que inventou. Só que ela não escreveu porque tá fazendo noventa coisas ao mesmo tempo. Minha agenda com ela levou quatro anos até conseguirmos nos encontrar para as filmagens.
Essa relação com a Tatá Werneck começa com o Loucas pra Casar?
Começou antes, porque era viciada no programa que ela tinha na MTV. Quando fui fazer o De Pernas pro Ar 2 (2012), tinha uma sequência num spa, lembra? Daí propus para a Mariza Leão que fossem comediantes. A história começava em Nova York, então achei que seria uma quebra bacana, dar umas risadas em um lugar bucólico, completamente oposto. Foi quando veio a Pia Manfroni, o Luis Miranda. E sugeri: “deixa colocar uma atriz que tem me chamado atenção?”. Ninguém sabia quem ela era, não tinha nem personagem, mas insisti. “É uma gênia”, eu dizia. Tempos depois a encontrei por acaso, num restaurante, e fiz o convite: “vem cá, não quer fazer uma participação no meu filme?”. Ela ficou toda nervosa, queria até pagar a minha conta (risos). E deu certo, fez quase tudo só no improviso e foi aí que começou.
Então, quando veio o Loucas pra Casar, vocês já eram amigas?
Recebi esse roteiro e na hora percebi: tem esse papel aqui que é a cara da Tatá! A terceira menina. Ela topou na hora de novo, e foi outro sucesso. Então, por ter feito participação nos meus filmes, devolvi esse carinho aparecendo no TOC: Transtornada Obsessiva Compulsiva (2017). O nosso duelo é incrível. A Tatá fez muitas coisas comigo, e acho essa cena o ápice da nossa parceria. Mas é um filme que o público brasileiro não entende. Não estava preparado para aquilo. Mesmo assim, era muito interessante.
Era uma busca por sair de um lugar-comum?
Fiz Antunes Filho por mais de um ano. Adoro fazer comédia, mas gosto mais ainda de ser atriz. Tem comediante que não quer fazer outra coisa. O Paulo Gustavo era desses, vivia falando: “Ingrid adora dizer que vai fazer algo diferente de tudo que já fez na vida dela. Pois eu adoro dizer que vou fazer algo igualzinho a tudo que já fiz antes” (risos). Mas não consigo. Saí do Confissões de Adolescente e fui estagiar com o Antunes Filho. Quando o Belmonte me chamou, e vi que era um road movie, que tinha a Alice Braga, alguém com quem sempre quis trabalhar. Como dizer não? O set do Belmonte é especial. Todo mundo adora trabalhar com ele. Tira a gente do nosso lugar de conforto. Então, veja, poderia ter feito mais cinco comédias, mas preferi assumir esse risco. Queria me experimentar em um cinema menor. Quando se é muito popular, é tudo maravilhoso, mas tem um monte de coisas que não pode fazer. Você serve ao público. Não pode falar palavrão, não pode certos tipos de cenas. Tem que transar de sutiã. O que se busca é atingir o maior número de pessoas.
Mas isso flui de forma natural para você?
Claro, pois passei tantas vezes por isso, que ninguém precisa me dizer mais. Veja a Tatá, por exemplo. Ela é boca suja! Então, no meio das filmagens, volta e meia virava pra ela e dizia: “para de tanto palavrão, garota” (risos). Porque se continuar desse jeito, o filme vai ser indicado para 14 anos, e uma parte enorme do público se perde. Penso num todo. Quero mais é que a família inteira vá junto ao cinema.
Quando você escolhe um novo projeto, o que é fundamental?
Gosto tanto de cinema, que o mais importante é experimentar. Entre Idas e Vindas ou o Sofá eram filmes sem dinheiro nenhum. Já o Minha Irmã e Eu mira uma audiência maior. Cada um tem seu público. Mas não vou abandonar a minha bandeira, que é a comédia. Depois que o Paulo Gustavo se foi, vejo quase como uma obrigação seguir promovendo o riso.
Se para o Brasil inteiro foi um choque, é difícil imaginar como foi para vocês, que eram amigos e próximos dele.
Nem gosto de falar. Ele também estava na Amazon, né? Fui para lá um pouco também por causa dele. “Vamos fazer comédia juntos lá”, me dizia. Dois nomes fortes de humor, juntos. Era um sonho que compartilhei com ele, mas que foi destruído. No velório dele, a irmã chegou até mim, me abraçou e disse: “vocês precisam continuar”. Aquilo ficou em mim. Ele tinha que estar aqui pra ajudar a levar o público de volta para os cinemas. Tá muito difícil. Por isso, também, que me uni de novo com a Tatá Werneck. A gente precisava de um encontro potente. Não sei se iremos conseguir, ainda mais sem a cota de telas, ou se surgir um grande blockbuster norte-americano pelo caminho.
Até para uma super-heroína que bateu de frente com os Vingadores?
É, eu bati, mas não venci. Mas pelo menos entrei na briga. Teve um dia que fui no shopping e tinham seis salas exibindo o Vingadores: Ultimato (2019) e uma só com o De Pernas pro Ar 3 (2019)! E saí comemorando: “a gente segue na luta”! E logo o terceiro filme, que tinha uma mulher na direção, com participação especial do Cauã Reymond. É um filme que, quando passa na tv aberta, é pico de audiência. Foi uma coisa grandiosa. A Mariza Leão, uma das mulheres mais militantes do cinema brasileiro, não se deu por vencida. Fez desse embate uma causa. Só de ter estado um pouco ali ao lado, já fico feliz.
E poderia ter tido espaço para todos.
De Pernas pro Ar e Vingadores são gêneros diferentes. Públicos distintos. Fui com minha filha assistir ao Barbie (2023), semanas atrás. Ela gostou tanto, que no dia seguinte quis ir de novo ao cinema. Foi como um reencontro. Só que chegamos lá e não tinham outras opções, era o mesmo filme em todos os cinemas. Assim não tem como. E olha que sou fã da Greta Gerwig, amo o Frances Ha (2012).
Além do Minha Irmã e Eu, há outros projetos em andamento?
Sim, tenho um com o Lázaro. É o nosso primeiro filme juntos, foi feito para a Amazon, estreia em novembro e se chama O Primeiro Natal do Mundo. É uma coisa que ainda não havia feito, mas adoro ver. É uma história bem original, sobre uma família. Nossos personagens são casados, tenho dois filhos e ele tem outros dois filhos, também de um casamento anterior. Não temos filhos juntos, e foi uma oportunidade para falar das novas famílias. Os meus, os seus e os nossos, mas cada um educa do seu jeito.
Qual a história desse filme?
Um dia acordam e o Natal desaparece, no mundo inteiro. E só a nossa família lembra. A gente fica o filme inteiro tentando explicar para o Brasil que existe uma data chamada “natal”. Imagina só, tentar definir o natal para alguém que nunca ouviu falar? É maluco. E junto com a festa, somem também vários valores: afinal, tem quem a gente só perdoa porque é natal, a verdade é essa! É muito legal.
Antes O Primeiro Natal do Mundo, depois Minha Irmã e Eu. É isso?
Exatamente. O Primeiro Natal do Mundo estreia direto na Amazon em novembro. E o Minha Irmã e Eu terá lançamento nos cinemas, gente! Vamos voltar aos cinemas, é importante! A estreia oficial será em janeiro, mas acredito que a partir de dezembro já terão algumas pré-estreias. Mas sabe como é, né? Tudo pode mudar. A comédia segue viva. E entre uma brecha e outra, sigo na busca por novos desafios. E se vier, eu vou!
Entrevista feita ao vivo em agosto de 2023 na cidade de Gramado, RS
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