Crítica


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Sinopse

Eleanor, Chidi, Tahani e Jason descobriram a realidade sobre suas mortes e a existência do Lugar Bom e do Lugar Ruim. Assim, cientes do que lhes irá acontecer no fim de suas vidas, eles simplesmente se deixam levar, e, com isso, acabam se tornando justamente aquilo pelo qual tanto se esforçaram: pessoas melhores!

Crítica

Quem é “Jeremy Bearimy”? Ou melhor, o que é “Jeremy Bearimy”? Essa é a questão que, quando explicitada, dá o tom do quarto episódio da terceira temporada de The Good Place. Afinal, o que enfim ficamos sabendo – tanto os espectadores, do lado de cá da telinha, como também os personagens envoltos pelo drama que se desenvolve na ficção – é que “Jeremy Bearimy” é como se desenrola a linha temporal no pós-vida. Ou seja, tal qual conhecemos, os acontecimentos se dão um atrás do outro, como em uma linha reta. O presente, que vem depois do passado, e antes do futuro. Assim é, sempre foi e continuará sendo. Mas após a morte, quando deixamos de ser essa carga corporal que carregamos e voltamos a ser apenas energia, espírito e consciência, indecisos entre o Lugar Bom (Céu?), o Lugar Ruim (Inferno?) ou o Lugar Nenhum (muito mais provável?), como será que os eventos serão processados? Seguirão essa mesma ordem cronológica? Pois não. A versão aqui afirma que o caos impera, e nada será como conhecemos. Será, portanto, numa ordem Jeremy Bearimy (para melhor entendimento, melhor imaginar esse nome escrito de forma cursiva, num só traço, com uma palavra emendando na outra, tudo bastante curvilíneo e circular, como na imagem abaixo). Sem princípio nem fim, nem começo ou encerramento. Ao mesmo tempo, aqui ou lá, ou em nada disso.

É o que Eleanor (Kristen Bell), Chidi (William Jackson Harper), Tahani (Jameela Jamil) e Jason (Manny Jacinto) ficam, enfim, sabendo, ao pegarem Michael (Ted Danson) e Janet (D’Arcy Carden) em plena ação, em frente a um portal mágico recém aberto. Em busca de explicações, até chegam a ser momentaneamente enganados – Jason adorou a ideia de estar sendo vigiado pelo FBI – mas qualquer desculpa soa muito mais furada do que a verdade: sim, eles morreram, foram enviados ao Lugar Ruim, achando que era o Lugar Bom, e na tentativa de merecerem, de fato, um espaço no Lugar Bom – e evitar um destino eterno no Lugar Ruim – acabam tendo suas mortes canceladas e terminam por voltar à Terra, esquecendo de tudo que lhes ocorreu nos últimos 300 anos – o tempo que ficaram nesse chove-e-não-molha – apenas para recorrerem à cartada que estava faltando: se tornarem pessoas boas de fato.

É curioso perceber que não chegam a questionar o conceito Lugar Bom-Lugar Ruim, aceitando quase que pacificamente o ocorrido. A reviravolta, no entanto, está no fato de que, a partir do momento em que se tornam cientes deste cenário maior, não há mais como ganhar pontos favoráveis ao momento do Juízo Final – ser uma pessoa melhor deve ser algo natural, e não parte de uma estratégia – e, por isso, o caso deles está, agora mais do que nunca, perdido para sempre: estão todos, irreversivelmente, condenado ao Lugar Ruim por toda a eternidade. Mas... será isso mesmo? O diretor Trent O’Donell (de séries como Grace and Frankie, 2016, e New Girl, 2013-2018) e a roteirista Megan Amram (indicada ao Writers Guild of America por Parks and Recreation, 2013-2014, e Silicon Valley, 2017) criam, a partir desse ponto, uma interessante mudança na dinâmica perseguida pela narrativa até então nessa terceira temporada: eles não querem mais se tornarem pessoas melhores. E ao simplesmente abdicarem dos seus vícios, modismos e autocontroles, conseguem alcançar seus intentos originais com mais naturalidade e bem menos esforço. Portanto, fica a questão: não seria esse o objetivo de Michael e Janet desde o começo?

É por plantar essa pulga atrás da orelha da audiência que Jeremy Bearimy consegue lentamente se recuperar após o frustrante T03E03, que havia praticamente esgotado os caminhos para nossos protagonistas. Além disso, acompanhar suas reações após a grande revelação – Eleanor tendo que se aceitar como uma pessoa ética, Chidi se vendo obrigado a abandonar as dúvidas que o consumia, e Tahani e Jason conectando um com o outro de uma forma que jamais poderia ser previsto – foram alguns dos pontos altos do episódio. Agora... onde está a Juíza (sentimos falta de Maya Rudolph, sempre)? E as piadas sobre cultura pop, antes tão certeiras, pareceram um pouco fora de foco (tantos filmes do Homem-Aranha? Oi? Não seria melhor apontar para o Wolverine – eles estão na Austrália, afinal, terra de Hugh Jackman – ou para o Homem de Ferro, dois heróis com muito mais incursões na tela grande do que o Amigão da Vizinhança, por exemplo). E o gancho que surge no último minuto, se deveria servir para intrigar alguém, resultou apenas em um tímido meio-sorriso: se nem os personagens se lembravam, o que pode ser dito dos espectadores? Fraco, portanto, mas com potencial de voltar a uma curva ascendente. E nesse ponto, isso já parece ser bom demais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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