Crítica


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Sinopse

Samantha é uma ex-celebridade mirim da década de 1980 que caiu no esquecimento após entrar na adolescência. Agora, tenta retornar aos holofotes com planos absurdos. Samantha é casada com Dodói, um ex-jogador de futebol que acabou de voltar para casa após passar mais de dez anos na prisão e, juntos, eles tem dois filhos cheios de TOCs, Cindy e Brandon.

Crítica

A premissa de Samantha!, nova série brasileira original Netflix, diz respeito a uma menina prodígio da televisão brasileira dos anos 80 que sofre para manter-se atualmente na mídia. Samantha (Emanuelle Araújo) é mãe de dois filhos, Cindy (Sabrina Nonata) e Brandon (Cauã Gonçalves), e está em processo de separação do marido Dodói (Douglas Silva), ex-futebolista que ficou preso durante 12 anos. Aliás, o enlace dos dois aconteceu em pleno cárcere. Boa parte da narrativa se desenvolve em torno desse relacionamento. Ambos vivem às turras, com ela demonstrando-se menos afeita a um revival, enquanto ele ainda acredita na possibilidade de reatar o casamento e restituir a família. O primeiro e promissor episódio determina o tom do programa, com situações condicionadas pelo ritmo das piadas, e distanciadas da realidade. Há uma necessidade de empilhar circunstâncias e fazer a trama caminhar o mais rápido possível. A embalagem dá pinta de fazer referência constante aos 80’s, mas isso acontece superficialmente no decurso.

Samantha (interpretada na infância por Duda Gonçalves) era uma verdadeira celebridade infantil, mas não demonstrava um comportamento considerado exemplar, ou próximo disso. Absolutamente ególatra, fazia de tudo para eclipsar os colegas de elenco, revelando-se mimada, dona de uma personalidade distorcida pela fama. O roteiro mostra, portanto, a adulta, especialmente sua sanha pelos holofotes, como um resultado direto dessa exposição precoce e excessiva ao estrelato. Fosse dramática, Samantha! poderia, facilmente, ser acerca dos efeitos nefastos do inebriar-se pelo topo. Todavia, o viés cômico dilui a crítica, deixando-a num plano intermediário, permitindo, inclusive, que as transformações aconteçam sem maiores sobressaltos. A protagonista, embora ocasionalmente caia em si, continua sendo uma pessoa de índole discutível. Tendo em mente a estrutura serializada, a mudança gradativa dela se apresenta como uma âncora, inclusive, às outras temporadas, caso elas aconteçam.

Os personagens de Samantha! são carismáticos, grande parte por conta do ótimo desempenho do elenco. Douglas Costa está muito bem como o ex-marido arrependido que tenta de todas as maneiras reorganizar-se após a grande temporada no xilindró. Mas é Emanuelle Araújo quem sobressai, construindo uma figura completamente ambígua, por quem prontamente nos afeiçoamos, apesar do comportamento muitas vezes reprovável e tortuoso. Daniel Furlan, que vive o empresário da apresentadora, tem seu talento subaproveitado, restrito a aparições ocasionais que servem para satirizar os bastidores da televisão, principalmente a busca desenfreada por audiência. Indo ao encontro da tendência, logo observável, de minimizar os comentários em favor da prevalência do aspecto familiar, das confusões que antecedem os degraus do possível reatar, a série faz graça apenas no raso com o ridículo intrínseco aos recursos indiscriminados pela adesão dos espectadores, sintoma próprios dos marcantes 80’s.

No que tange às menções à década em que Samantha foi rainha, elas são mais acessórios que necessariamente vitais. Faz-se uma brincadeira com o fato de Roberto Carlos possuir uma perna mecânica – a garota segurando o membro artificial com um sapato azul, de um artista famoso, não deixa dúvidas quanto a isso –; o cantor Flávio Júnior (Paulo Tiefenthaler), que se casa inúmeras vezes, é uma alusão óbvia ao seu quase homônimo da realidade; a dinâmica do programa de auditório remete às dos que pipocavam nas televisões de antigamente; fora as supostas mensagens subliminares em discos tocados ao contrário. Todavia, são aspectos que não concernem à forma, funcionando como meros apetrechos, o que deixa bastante a desejar, pois acaba tendo um efeito excessivamente pontual. O mesmo pode ser dito das participações especiais de gente que “bombava” na televisão naquela época, como Luciana Vendramini e Gretchen. São piscadelas para o público, não passando disso, acrescentando pouco ao todo.

A ponte frágil com a geração de agora é estabelecida pela presença da influenciadora digital Laila (Lorena Comparato), que chega a rivalizar com Samantha pelo coração de Dodói. Diferentemente de obras recentes como Bingo: O Rei das Manhãs (2017), que deram conta, realmente, de capturar a atmosfera da época, Samantha! Somente utiliza certos ícones e convenções como muletas narrativas, pois seu cerne está num decurso romântico comum. Ainda assim, o texto leve e o desempenho dos atores garante o entretenimento. Alguns momentos são ótimos, como o episódio do reality show do casamento, fundamentado numa observação, aí, sim, satírica dos absurdos a que as pessoas se submetem para aparecer na televisão e fazer sucesso. A questão da subcelebridade que topa qualquer coisa para voltar às telinhas também se dissolve gradativamente, aparecendo como mais um dado epidermicamente explorado pelo roteiro. Falta consistência, mas a série consegue divertir.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica