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Sinopse

Uma assistente social, seu superior e um soldado. Apesar de levarem vidas diferentes, os três trabalham juntos em uma agência do governo e, depois de anos de suas vidas dedicados aos serviços do governo, eles encontram-se, agora, em um complicado dilema. Enquanto assumem suas responsabilidades no trabalho, o trio não consegue ignorar seu desejo desesperador de retornar à vida civil.

Crítica

Anunciada como a grande volta de Julia Roberts à televisão – no início da carreira, a atriz vencedora do Oscar chegou a participar de séries como Miami Vice (1988), Friends (1996) e Murphy Brown (1998) – Homecoming acabou dividindo opiniões em sua estreia, em meados de 2018. Na temporada de premiações seguinte, foi indicada ao Globo de Ouro e ao Critics Choice – sem ganhar nada – e acabou de fora do Screen Actors Guild Awards e das principais categorias do Emmy, onde conseguiu apenas uma indicação, como Melhor Fotografia. Talvez tenha sido um pouco de má vontade com algo tão diferenciado – afinal, é uma trama de suspense, cujo real entendimento dos acontecimentos só se dá no último dos dez episódios, além de serem esses com até 30 minutos de duração, quando a praxe em outras produções do gênero é que sejam em torno de uma hora. Mas há também o despreparo do lançamento – exibida pela Amazon Prime, estreou sem muita expectativa, deixando os curiosos sem saber bem o que iriam encontrar pela frente. E se de fato alguns pontos mereciam ser melhor trabalhados, também está longe de se mostrar como uma experiência descartável.

O maior mérito de Homecoming, por incrível que pareça, está na montagem coordenada por Rosanne Tan, Justin Krohn e Franklin Peterson, que ditam nos primeiros capítulos o tom a ser perseguido. Veterano de shows como Mr. Robot (2017-2019), o trio é responsável por construir uma forma intrincada de apresentar a trama, aliada à fotografia trabalhada de Tod Campbell (Stranger Things, 2016-2017). Alternando momentos propositalmente claustrofóbicos no presente – inclusive, com o formato de câmera em 4:3 – com outros no passado, mas amplos e supostamente tranquilos, os dois vão caminhando em paralelo, porém em sentidos opostos, até que se encontrem. Micah Bloomberg e Eli Horowitz, os criadores do programa, ainda que estreantes na função, conseguem uma boa sinergia com o diretor Sam Esmail (Eu Estava Justamente Pensando em Você, 2014) e sua equipe, mostrando não apenas o quanto estes dois momentos estão interligados, mas também a influência de cada decisão no escopo percebido tanto de um lado, como no outro.

Heidi Bergman (Roberts, defendendo com sobriedade uma peruca desnecessária) é uma garçonete num restaurante que, certamente, já teve seus melhores dias. Assim como ela, que há menos de cinco anos atuava como terapeuta em um centro para veteranos no exército. Como foi de uma posição de comando e respeito para atender pessoas que ali estão menos pela comida e mais pela simples oportunidade de saírem de suas casas e de suas rotinas entediantes? Esse parece ser um dos tantos mistérios e serem desvendados. Sim, pois há outros, e talvez até mais urgentes. Como a situação de Walter Cruz (Stephan James, apenas correto, e nunca mais do que isso), um dos soldados em tratamento. Se no presente não o vemos – mas existe uma denúncia em seu nome apontando para irregularidades onde esteve internado anos atrás – nas sequências de flashback seu comportamento é irregular, indo da satisfação pelo acolhimento recebido até a aceitação de qualquer dúvida levantada a respeito das boas intenções do lugar. Seu destino e o que teria lhe ocorrido também é um dos questionamentos levantados.

Mas há uma terceira figura em cena que merece ser observada com atenção: o executivo Colin Belfast (Bobby Cannavale, o mais à vontade). Chefe de Heide e responsável pelas práticas empregadas por ela, é também peixe pequeno – há sempre um com uma boca maior no encalço – e tudo o que faz acaba tendo que prestar contas. Ele tem postura de vencedor de botequim, aquele que garganteia conquistas que não lhe pertencem, ao mesmo tempo em que estremece diante da menor possibilidade de ser destituído do status que acredita ser seu por direito. No último episódio, há uma sequência entre ele e a misteriosa personagem de Hong Chau, alguém cujas intenções nunca ficam devidamente às claras. A pose e ostentação que ele exibe no começo da conversa vai murchando lentamente, passando pela desconfiança até a certeza de um rebaixamento. O que o ator faz nesses poucos instantes é digno de aplauso. Assim como Marianne Jean-Baptiste (atriz indicada ao Oscar por Segredos e Mentiras, 1996), que mesmo aparecendo em apenas metade dos episódios dessa primeira temporada, surge como um verdadeiro furacão no papel da mãe de Cruz, a primeira a desconfiar de que há algo de errado com o filho e, por isso mesmo, determinada a descobrir a verdade por trás da sua internação. E qualquer um que se colocar no seu caminho será atropelado sem piedade.

Por outro lado, Homecoming também desperdiça oportunidades. O núcleo familiar da protagonista, apesar dos atores convocados para estarem ao seu lado, é tão frágil que talvez fosse melhor se não existisse, pois da forma como é apresentado revela mais uma distração do que um acerto. Sissy Spacek, como a mãe, tem presença tão apagada que só aumenta o embaraço diante do premiado histórico da atriz. Dermot Mulroney, como o namorado desprezado, então, é ainda mais constrangedor – mesmo que este seja o terceiro trabalho dele ao lado de Roberts, colocá-lo como par romântico dela, revivendo o quase casal de O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997), e não aproveitar essa oportunidade, é um desrespeito. Mas nenhum deles se mostra uma participação mais problemática do que a de Shea Whigham (Boardwalk Empire, 2010-2014), como o oficial responsável pela investigação do caso. Percebido inicialmente como uma força condutora dos eventos a serem descobertos, aos poucos vai se apagando, até se tornar irrelevante. É uma lástima o destino que lhe reservam, principalmente por levantar uma expectativa que nunca chega perto de se concretizar.

Uma segunda temporada de Homecoming já foi confirmada, porém sem a participação de Julia Roberts – que decidiu ficar de fora, provavelmente porque o show não foi o sucesso que muitos esperavam. Mesmo assim, a estrela cumpre bem o que dela se espera, mas nunca vai além do que seus fãs e admiradores tão bem conhecem. Heidi é uma personagem perdida, em busca de suas memórias e que, à medida que as vai recuperando, tenta também se redimir delas. O quebra-cabeças que se modela ao seu redor nunca deixa de chamar atenção, mas nem sempre consegue formar quadros merecedores desse cuidado. Assim tem-se um conjunto curioso, bem-acabado, que brinca com o formato com o qual é apresentado, mas que, sob outra ótica, é possível que perdesse grande parte da sua relevância. Um esforço válido, com certeza, mas que promete mais do que aquilo que termina por entregar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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