Crítica


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Sinopse

Depois dos eventos definidores de Vingadores: Ultimato (2019), Sam Wilson/Falcão (Capitão América) e Bucky Barnes/Soldado Invernal se juntam numa aventura global que testa suas habilidades e paciências.

Crítica

Logo nos primeiros minutos, após o rápido vislumbre de uma fração do escudo do Capitão América, Falcão e o Soldado Invernal oferece como cartão de visitas uma longa sequência de ação vertiginosa protagonizada pelo Falcão (Anthony Mackie). Contatado pelo exército estadunidense para colocar em prática uma missão de resgate, ele corta os céus com um traje novo, apresentando ao espectador boa parte de suas traquitanas e abordagens. Esse momento também serve para sermos informados de que há um novo perigo no mundo, a organização apátrida que milita violentamente para as fronteiras geopolíticas serem abolidas. E, subsequentemente a essa carta de intenções quanto ao tom que provavelmente vai predominar na série – conspirações internacionais, cenas de confrontos e afins –, há uma abdicação improvável. Um dos elos mais importantes entre os super-heróis e a autoestima estadunidense (via patriotismo) é supostamente aposentado. Não pode haver substitutos a altura para um ícone? A atitude do militar recusando a responsabilidade/honra que lhe foi imputada é fruto de um senso de situação histórica ou medo de perder a sua essência diante do legado alheio? Dentro do universo Marvel, é possível a não existência do Capitão América, esse estandarte?

Dilema posto, sem respostas – elas que devem ser trabalhadas ao longo dos episódios – Falcão e o Soldado Invernal mostra os dois protagonistas lutando separadamente com barreiras bem menos grandiosas que um extraterrestre erradicando metade da vida existente em prol de um suposto equilíbrio. A diretora Kari Skogland foca nas lutas cotidianas desses homens que estão entre os publicamente celebrados como responsáveis pela salvação de um cataclismo sem precedentes, mas cujos desafios também passam por questões de natureza prosaica. Bucky (Sebastian Stan) foi transformado num civil, perdoado pelo governo dos Estados Unidos, desde que participe de um programa de remissão de seus crimes enquanto atuava como um zumbi à HYDRA. Isso pressupõe lidar com vários fantasmas. Ele é lido como alguém trágico, mais que centenário, largado à própria sorte numa contemporaneidade estranha, sem nem o melhor amigo por perto para fazer-lhe companhia. Solitário, Bucky é resistente às tentativas da psicóloga de ajuda-lo a entender qual é o seu lugar nesse mundo. Um sujeito repleto de pecados que o perseguem, cujos vínculos lhe parecem apenas genuínos quando servem para alivia-lo do fardo pregresso. A dinâmica com o amigo chinês atesta bem isso.

Da mesma forma, o Falcão é observado em contato com a família, especificamente a irmã e os sobrinhos. Depois de ter se envolvido numa contenda de repercussões internacionais, dar piruetas no ar e executar sua missão com o pragmatismo e a competência contumazes, o super-herói encara a realidade que foi obrigado pelas circunstâncias a deixar de lado enquanto era preciso salvar o universo. Apegado à memória afetiva dos pais, reluta o quanto pode diante da decisão alheia de vender o barco que lhe serviu de casa na infância. O idealista é gradativamente desmontado pela realidade que, sequer, permite a um herói de guerra amplamente conhecido ter privilégios diante das duras regras de empréstimos bancários. É difícil prever até que ponto Falcão e o Soldado Invernal vai ter espaço para expandir essas angústias pessoais dos personagens principais, uma vez que a ação e as lógicas impostas pelo vilão apontando no horizonte tendem a ser privilegiadas. Mas, a julgar por esse ótimo primeiro episódio, há ao menos uma vontade de compreender os protagonistas descolados de sua excepcionalidade, como membros de dinâmicas triviais ou passíveis de acometer qualquer um. Como reintegrar-se à família após cinco anos desaparecido? Como conviver em sociedade aos 106 anos?

De todo modo, é interessante essa opção dos criadores por mostrar Falcão e Bucky, de cara, como renunciantes confrontados por problemas corriqueiros. O primeiro entende-se incapaz de levar adiante a missão à qual foi incumbido por um dos mais emblemáticos dos Vingadores. O outro, em função da vontade de começar de novo, de vivenciar a paz após batalhas consecutivas e intermitentes nas últimas nove décadas, chega a dizer “eu era o Soldado Invernal”. Os títulos, os uniformes, as insígnias e medalhas são importantes, mas capazes de condensar a essência? Esse episódio inaugural de Falcão e o Soldado Invernal deixa o questionamento implícito, embora seu movimento final também aponte ao perigo de determinados emblemas serem utilizados de modo errado. O fardo está na necessidade? O pontapé inicial cumpre muito bem a função de estabelecer um cenário instigante, fornecer perspectivas distintas e algumas provavelmente conflitantes, lançar luz sobre protagonistas que potencialmente se desdobram entre o que devem (atendendo ao que deles se espera) ser como personas públicas e como equilibram isso com suas equivalentes íntimas. É um ótimo começo, inclusive pelos nós que prontamente apresenta. Arrependimentos e sinas são dois bons combustíveis para super-heróis.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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