Crítica


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Sinopse

O primeiro-ministro britânico desperta pela manhã para ser informado que a Princesa Susannah, um membro muito amado da Família Real, foi sequestrada e será assassinada. Entretanto, ela pode ser salva se o primeiro-ministro tiver relações sexuais com um porco em rede nacional.

Black Mirror


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Crítica

Escrito por Charlie Brooker, criador de Black Mirror, The National Anthem começa com a deflagração de uma situação perturbadora, não apenas para o primeiro-ministro britânico, Michael Callow (Rory Kinnear), intimamente afetado pelo sequestro da Princesa Susannah (Lydia Wilson), mas à toda sociedade envolvida. O homem que mantém a figura real em seu poder, utilizando a internet e suas possibilidades como estratégias de disseminação da conduta ilícita, pede que o estadista mais importante do Reino Unido faça sexo com um porco, ao vivo, como condição para libertar a jovem mantida em cativeiro. De cara, imagina-se que a ação se trate de um insólito ato de desagravo contra a classe política inglesa, especialmente por se fundar na desmoralização pública de seu principal representante. Contudo, como bem vemos no desenrolar deste episódio, cuja tensão é proporcional à falha miserável das diversas alternativas, o alvo é outro.

The National Anthem abarca em seus pouco mais de 40 minutos uma série de questões que dizem respeito, especialmente, à repercussão pública da chantagem. O comportamento da imprensa é o primeiro interesse do episódio, com os expedientes ocasionalmente perniciosos, a relativização da ética em favor do furo e da audiência que dele decorre. A troca de favores com alguém de dentro do governo – fotos íntimas por informações privilegiadas – é emblemática nessa observação dos meios de comunicação. A ação do gabinete do primeiro-ministro dá conta dos bastidores do poder, com subalternos “garantindo” ao mandatário o resguardo de sua intimidade e, mais adiante, agindo friamente para certificar-se que ele faça o que os britânicos esperam, ou seja, mantenha o jogo acima de si próprio. Aliás, são sintomáticas as consultas recorrentes à repercussão popular, pois políticos vivem de votos.

Dirigido por Otto Bathurst, The National Anthem expõe, em meio ao esgotamento do tempo e à inevitabilidade de ceder às pressões, a quem verdadeiramente direciona suas miradas mais ferinas. Alimentados por toda sorte de mídias, como o YouTube, o Facebook e a televisão, os espectadores ingleses gradativamente se tornam parte essencial dessa cadeia sórdida, mudando leviana e impulsivamente de opinião, não se furtando de fazer julgamentos morais precipitados e, pior de tudo, mesmo aparentemente enojados olhando à tela que mostra um ato vil, indispostos a desgrudarem a atenção dela, fazendo-se cúmplices. A curiosidade quanto à degradação alheia é a imagem mais forte deste episódio inaugural da antologia Black Mirror, a partir da qual se percebe as intenções do raptor de não necessariamente afrontar a classe política ou a coroa, mas provar a perversidade do ser humano frente ao sofrimento alheio.

No que diz respeito às atuações, destaque para Rory Kinnear, que vive com excelência o primeiro-ministro ameaçado pela conjuntura singular, e Lindsay Duncan, intérprete de sua imediata, mulher de sangue frio que encarna com precisão os ideais pragmáticos de quem decide embrenhar-se no backstage do poder. A despeito da curta duração, esse pontapé inicial é um cartão de visita e tanto, pouco caraterizado pela prevalência tecnológica, como boa parte dos episódios de Black Mirror, sem sintomas futuristas para desenhar uma distopia iminente, já que disposto a encarar o cenário do presente e suas idiossincrasias para desenhar uma coletividade doente, sem qualquer pudor de ser hipócrita, de fazer cara de nojo, de fingir-se profundamente solidária, e de seguir testemunhando o circo de horrores que ela própria constrói e alimenta. The National Anthem é um primor, justamente por mostrar quem somos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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