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Sinopse

Uma trupe decide fazer um filme pornô na zona rural do Texas, nos Estados Unidos, no fim dos anos 1970. No entanto, essa galera não imaginava que teria duas pessoas tão perturbadas como anfitriões numa fazenda erma.

Crítica

A intertextualidade surge mais abertamente no cinema a partir dos anos 1950/60, sobretudo quando floresce o conceito de Cinefilia e a Nouvelle Vague francesa sistematiza a alusão aos filmes que a antecederam, tratando-os como elementos referenciais de função narrativa/afetiva, aliás, como nenhum outro movimento/vanguarda anterior. A partir disso, esse diálogo foi se sofisticando pela variedade, com obras mencionando outras descaradamente ou, às vezes, apenas pegando emprestadas as suas marcas e atmosferas. X: A Marca da Morte é um desses filmes que não existiriam (ao menos não como tal) sem toda uma tradição prévia. A começar pela forma como se filia reverencialmente ao slasher, subgênero do horror caracterizado por vilões utilizando ferramentas cortantes e corpos jovens sendo brutalizados. Ambientado em 1979, o longa-metragem dirigido por Ti West tem como protagonista Maxine (Mia Goth), aspirante a estrela do mundo pornográfico – indústria então prestes a crescer com a iminência do surgimento do home vídeo (e isso é dito). Parte de uma pequena trupe, ela chega a uma propriedade antecipadamente alugada para rodar um filme x-rated. Fazenda isolada e decrépita + sexualidade latente + proprietários caipiras desconhecidos + sem autoridade + lago com jacarés = aceno direto de e para os fãs do subgênero. Sim, pois são todos elementos clássicos do slasher ali reunidos.

X: A Marca da Morte é dividido em duas partes de tons bastante distintos. Na primeira, diga-se de passagem, a melhor delas, há a construção de uma ótima atmosfera de expectativa. Em meio à preparação do terreno para uma carnificina anunciada desde a primeira cena – basicamente, todo o enredo é um grande flashback –, Ti West exibe vários sinais da intertextualidade, ou seja, do quanto vai beber nas fontes férteis de sua referência. Uma delas é Psicose (1960), filme de Alfred Hitchcock citado como um dos favoritos do personagem do diretor com ambições artísticas, aquele que está empenhado em fazer um “pornô de qualidade”. Mais à frente, quando a matança inicia, o surgimento do carro parcialmente submerso no lago é uma maneira criativa de diversificar o aceno à obra-prima do bom e velho Hitch, agora com algo do filme se manifestando no tecido narrativo. Portanto, a intertextualidade tem camadas e modos distintos de ser. Outra delas é reapropriação de um lugar-comum dos slasher: o furor sexual como indício de quem vai morrer. Mesmo os dois personagens que não fazem sexo acabam morrendo brutalmente. Mas, o que muda aqui é a motivação dos vilões. Sai o puro suco do moralismo caipira abstrato e entra a repressão sexual potencializada pelo discurso messiânico dos religiosos que contribuem para essa repressão. O roteiro assinado por West pontua que essa violência tem uma fonte.

A segunda parte de X: A Marca da Morte é a chacina propriamente dita. Mas, antes de falar sobre ela, é bom ponderar a respeito da curiosa figura dos anfitriões assassinos. Pearl (Mia Goth) e Howard (Stephen Ure) são pessoas isoladas, presas emocionalmente num longínquo tempo de glórias. Porém, para além desse aspecto que ajuda a contextualizar a sanha assassina, está uma opção estética de Ti West: a maquiagem claramente falsa que transforma dois atores relativamente jovens em idosos caquéticos. Essa escolha faz parte de um movimento aparentemente deliberado rumo ao artificial, uma piscadela para o público quanto à natureza puramente cinematográfica do que está assistindo – não são poucos os demais instantes em que a trama solicita desligar a descrença e aderir a artifícios. Quando os velhinhos entram em ação, a história mergulha numa espiral de mortes brutais mais ou menos previsíveis até que sobre apenas a final girl – tropo narrativo famoso nas produções de terror, a sobrevivente que enfrenta os malfeitores por último e que (geralmente) resta para contar a história. Então, as adesões aos modelos consagrados por outros filmes se dão dentro de uma nova camada de intertextualidade, com a tradição servindo de fonte de alimentação e inspiração afetiva. Quanto às mortes escrachadas, não se trata, portanto, de “se” elas acontecerão, mas de “quando” e “como”.

Ao gesticular abertamente para o público do slasher com filiações tão claras às convenções do subgênero, Ti West não parece preocupado com o fator previsibilidade. Depois que o primeiro homicídio acontece, o longa-metragem se apoia simplesmente na construção do aspecto gráfico das mortes, perdendo um pouco o interesse pela atmosfera de suspense que tinha traçado um painel tão interessante e rico em sua primeira metade. Saem as brincadeiras com a suposta clandestinidade dos filmes pornográficos, com as intenções artísticas do ciumento cineasta iniciante, com os chavões atrelados aos intérpretes das produções para consumo adulto, com a estereotipia dos vilões quase caricaturais e até mesmo com a textura da imagem, e entra uma sequência de eliminações selvagens dos forasteiros ligados ao cinema. Entre essas mortes, há algumas filmadas com engenhosidade e toques de crueldade muito bem calculados – como a senhora esfaqueando alguém até que a faca emperre numa vértebra. Há outras que são praticamente chistes com determinadas recorrências do terror – como alguém que evidentemente não deveria colocar os olhos nos buracos da parede de um estábulo. Mas, no geral, essa carnificina um tanto quanto repetitiva (breve isolamento do personagem prestes a morrer + conclusão com toques de nonsense) serve o quanto pesa justamente a sua intertextualidade, cujo saldo é a comoção provocada por meio do compartilhamento da familiaridade com os pilares do slasher.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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