Crítica


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Sinopse

Um alto secretário do governo italiano sumiu e foi substituído por seu irmão gêmeo que acabara de sair de uma instituição psiquiátrica. O estranho logo passa a ser adorado, mas a farsa não tende a durar muito.

Crítica

O conceito de ‘liberdade’ explorado nesta comédia dramática escrita e dirigida por Roberto Andò – e baseada num romance do próprio realizador – é muito mais amplo do que apenas a contraposição ao estar preso no sentido físico. Fala-se aqui da prisão psicológica, imposta pela sociedade, a que surge pelas pressões profissionais e familiares, e que pode ser superada através de atos muitos simples, porém que para tomá-los é necessário muita coragem e paciência. Exatamente o que fazem os dois protagonistas de Viva a Liberdade, os irmãos Enrico Oliveri e Giovanni Ernani, ambos interpretados com muita competência por Toni Servillo.

Apesar de não se falarem há mais de vinte anos, tanto Enrico quanto Giovanni estão em situações parecidas, ainda que sob diferentes pontos de vista. O primeiro é um dos homens mais influentes da Itália, um senador que atualmente ocupa a posição de secretário geral do partido da oposição e sem o qual o próprio governo não sobrevive. Todos os olhos estão nele, e os muitos problemas atuais enfrentados pela população italiana são creditados a ele. O segundo, no entanto, está afastado de tudo e de todos. Após ser diagnosticado esquizofrênico, passou uma temporada num hospital psiquiátrico e atualmente está recluso em seu apartamento, tendo como companhia apenas os livros. Um é vigiado constantemente, e qualquer passo em falso terá repercussões gigantescas. O outro está sozinho e, justamente por isso, pode fazer o que lhe der na telha, quando e como quiser, que não irá afetar ninguém a não ser a si mesmo. Isso, é claro, até o momento em que seus papéis se invertem.

Com o peso do mundo sobre os ombros, Enrico decide fugir sorrateiramente, na calada da noite. Ele vai para Paris reencontrar uma antiga namorada, último momento em que lembra ter tido certeza de algo. Como despedida, apenas uma mensagem avisando que precisa de um tempo para se recompor e pensar melhor sobre o que fazer a seguir. Andrea (Valerio Mastandrea, de A Primeira Coisa Bela, 2010), seu auxiliar e braço direito, será o maior atingido, pois é dele que passam a cobrar uma explicação pelo sumiço do político. E na busca por uma solução para o problema eminente, eis que a escapatória é recorrer a uma medida drástica – substituir o desaparecido por seu irmão gêmeo. Ainda que os temperamentos dos dois sejam completamente opostos, a semelhança física é suficiente para que não se despertem suspeitas. E lá vai o bobo para governar a corte e, o que não deve ser surpresa para ninguém, fazendo um trabalho muito melhor do que aquele a quem tal função competia por direito.

Da aventura histórica O Homem da Máscara de Ferro (1998) à comédia Dave: Presidente por um Dia (1993), passando pelo incomum Adaptação (2002), pelo thriller O Dublê do Diabo ou o clássico O Grande Ditador (1940), o argumento dos sósias que trocam de lugar um com o outro já foi tão usado e desgastado pela sétima arte que é muito difícil, atualmente, alguém apresentar algo verdadeiramente novo. Em Viva a Liberdade, o grande mérito que Andò tem a seu favor é a excelência das atuações de Toni Servillo – o genial protagonista do oscarizado A Grande Beleza (2013), que agora retorna às telas com dois personagens mais lineares, porém não menos interessantes. Com quase nenhuma alteração física – uma mudança no cabelo, um óculos a mais – ele consegue compor dois tipos completamente diferentes, tornando a farsa convincente não apenas para os envolvidos na ficção, mas também para a plateia.

O cinema italiano tem se caracterizado nos últimos anos por refletir com objetividade os problemas históricos não só da sua sociedade atual, mas também os reflexos das tradições ultrapassadas e costumes que precisam urgentemente ser revistos. A política é parte fundamental da formação do povo italiano, e filmes como o memorável Um Dia Muito Especial (1977), de Ettore Scola, ou o recente O Crocodilo (2006), de Nanni Moretti, são bons exemplos de como esse povo está habituado a tratar seus problemas com sensibilidade, ironia e uma pertinente autocrítica. O mesmo se dá em Viva a Liberdade, um título que facilmente poderia se resignar a uma vala comum entre tantos genéricos, mas que se destaca por méritos inegáveis. Bom humor, uma direção segura e um intérprete no domínio do seu jogo são, neste caso, mais do que suficientes para superar um enredo convencional, porém nunca descartável.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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