Crítica


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Sinopse

Preocupada com o avanço das tropas de Adolf Hitler na França, a população de uma pequena vila decide desafiar as ordens do próprio governo e desbravar novas rotas para se esconder nos anos 1940.

Crítica

Um homem sem pátria em meio ao maior dos conflitos bélicos. Uma criança perdida, longe do afeto do pai, do carinho daqueles que lhe acolheram e do alento do lar. Uma cidade inteira, desalojada em nome da guerra, em partida atrás de uma garantia de sobrevivência. Esses três elos narrativos – e alguns outros – se entrecruzam com tranquilidade no drama Viva a França!, título um tanto exaltado para uma história mais humana do que nacionalista, como se poderia imaginar num primeiro momento. Muito disso, claro, se deve à condução engenhosa de Christian Carion, que já havia demonstrado singular habilidade no igualmente comovente Feliz Natal (2005) – indicado ao Oscar como Melhor Filme Estrangeiro, aliás.

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Para construir sua história, Carion não se bastou com diálogos em diferentes idiomas – eram necessárias também nacionalidades distintas. Começamos na Alemanha, às vésperas do início da Segunda Guerra Mundial, quando se dava uma verdadeira caça às bruxas interna, com a força policial do regime alemão perseguindo compatriotas suspeitos de atividades conspiratórias, como espalhar panfletos e simpatizarem com correntes contrárias ao pensamento oficial. Entre esses estava Hans (August Diehl, de Bastardos Inglórios, 2009), acusado de comunista. Pouco antes de invadirem sua casa, no entanto, ele consegue fugir, levando consigo apenas o filho pequeno de 8 anos. Entre tiros a esmo e caçadas noturnas, os dois conseguem sair dessa vivos, refugiando-se no interior da França. Apesar de alegarem terem vindo da Bélgica, a farsa não dura muito tempo. E se em sua terra natal ele era considerado inimigo, aqui pouco importam suas inclinações políticas – a origem é suficiente para colocá-lo atrás das grandes, ainda mais em um momento tão instável quanto esse.

Mas a guerra eclode, e com ela há a invasão da França pela Alemanha. Todos os moradores do Norte do país precisam se refugiar, e o destino óbvio é rumarem para o Sul. Muitos assim procedem, como os moradores de uma pequena vila, liderados pelo prefeito Paul (Olivier Gourmet). Ao lado da esposa, Mado (Mathilde Seigner, de A Guerra dos Botões, 2011), ele organiza tudo para partirem. Ao lado deles segue a professora Suzanne (Alice Isaaz, de Doce Veneno, 2015), que praticamente adotou o pequeno Max (Joshio Marlon) após a prisão do pai dele. Ao mesmo tempo, Hans é posto em liberdade, assim como outros prisioneiros, em virtude da invasão alemã. Seu único objetivo é reencontrar o filho. Mas esse partiu, junto com toda a cidade. Em sua busca, no entanto, se depara com o soldado escocês Percy (Matthew Rhys, de Pegando Fogo, 2015). E seria a busca de um pelo outro, guiados pela mesma direção, se não estivéssemos em uma zona sem lei, nem ordem. E quando um bombardeio aéreo passa atirando para todos os lados, resta aos que estão em terra correr para se salvar. Ainda que no final sejam apenas solitários sobreviventes, contando apenas com a sorte e o destino para seguirem vivos.

Viva a França!, no entanto, não é apenas um relato de desespero e esperança em meio às situações mais adversas. Estão nos pequenos detalhes, portanto, os motivos que elevam sua trama a uma rara condição de sentimento e ternura. A afeição que surge entre Suzanne e Max, o respeitoso confronto entre Mado e Paul, o embate produtivo entre Hans e Percy oferecem ao espectador diferentes relações que, num nível ou noutro, mostram o quanto a humanidade continua sendo o maior de todos os bens, independente de onde e como ela venha a se manifestar. As línguas podem ser distintas, os interesses opostos e suas fontes contrárias, porém quando unidas em prol de um bem maior, todos tem a ganhar. E isso se percebe em exemplos quase adjacentes, como a indicação de um caminho paralelo para evitar os horrores da morte, um pequeno maço de cigarros amassado jogado na lama ou o que se é capaz de fazer em busca de comida para si e os seus.

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Com tantos eixos, no entanto, é difícil oferecer a todos a mesma atenção. Max surpreende ao ficar sozinho – o encontro dele com um soldado alemão à beira da morte, quando os dois se entendem compatriotas, ainda que de lados adversos, exemplifica bem a maturidade do jovem intérprete – e se seu reencontro com o pai parece fortuito demais, é sabido também que tais coincidências assim ocorrem na vida cotidiana. Entre seguir adiante rumo ao desconhecido ou voltar para a casa que pode não mais existir, é Paul que parece tomar a decisão que todos almejam: lutar pelo que é seu, custe o que custar. E se aqueles que não mais tem pelo que se esforçar resta apenas ir em frente, aos outros soa lógico um inevitável retorno. Viva a França! dá a impressão de apontar para uma terra segura e responsável por inesgotável benesses. Mas essa só existe em um lugar: dentro de cada um. Ainda que às vezes seja preciso ir muito longe para que se perceba essa inevitável verdade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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