Crítica


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Sinopse

O trabalho em condições precárias ainda tem um índice bastante elevado no Brasil, país que foi o último a acabar com a escravidão. Qual a situação da escravidão nos dias de hoje, no que tange às péssimas condições trabalhistas, tanto na cidade quanto no campo, provenientes dos movimentos de migração em prol da melhora de vida ilusória. Ainda hoje, esse processo ilegal movimenta bilhões de dólares a cada ano, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e armas.

Crítica

Alexandre Valenti é um diretor e roteirista argentino, responsável por títulos como O Maestro: Um Busca da Última Música (2017), além de curtas e produções para a televisão. Alberto Graça é um cineasta brasileiro de longa trajetória, que há pouco exibiu nos cinemas o drama Beatriz, coproduzido entre Brasil e Portugal. Os dois se reuniram para tornar possível Vidas Descartáveis, documentário que não inova na forma, mas que exibe um discurso contundente a respeito de um tema atual e urgente. A decisão pelo formato assumido, portanto, acaba sendo válida, pois o pouco que oferece enquanto diferencial já apresenta caráter destoante – e tudo além seria mais ruído do que mérito do conjunto.

O que se está falando aqui é do trabalho escravo no Brasil. Mas não em 1500 ou na época do império. As atenções estão voltadas para o presente, ou, ao menos, a um passado recente. Algo assim acontecer nos dias de hoje parece improvável, mas o que Valenti e Graça revelam ao espectador é um procedimento mais comum do que se poderia – ou gostaria – de imaginar. Mas, uma vez forçados a refletir a respeito, para onde se iria? Aos confins do país, onde o progresso parece ainda não ter chegado, provavelmente. E assim eles fazem, dirigindo os olhares ao episódio que envolveu a Fazenda Brasil Verde, no interior do Pará. Na virada do século, entre 1999 e 2000, dezenas de pessoas foram resgatadas da propriedade, ludibriadas por aqueles que teriam se apresentado como possíveis empregadores, mantidas vigiadas em condições miseráveis, exploradas e recebendo o mínimo pelo muito que ofereciam. Isso é, quando chegavam a ganhar alguma coisa.

Os diretores dedicam mais de um terço da narrativa às consequências desse episódio. A lerdeza e até mesmo ineficiência dos poderes públicos, o envolvimento de organismos internacionais, o descaso com a vida humana, a desatenção da justiça, todos esses elementos se encontram reunidos. Sabiamente, os realizadores não ficam apenas ao lado das vítimas, mas empreendem os esforços necessários para cobrir todos os lados da questão. Vai-se atrás dos responsáveis – que, invariavelmente, se recusam a prestar qualquer tipo de depoimento ou dar justificativa – e também da postura institucional. O que a lei diz a respeito? E como o governo se posiciona? Quais órgãos operam constantemente no sentido de coibir tais práticas? Por fim, e não menos importante: quem age sob o disfarce da opinião pública para promover esse crime e proteger aqueles que enriquecem às custas do trabalhador anônimo?

Quando o discurso corre o sério risco de ficar comprometido com apenas um caso isolado, esmorecendo as próprias denúncias reunidas, o filme empreende uma sábia mudança de rumo, partindo em busca de mais vozes que possam elucidar com detalhes o visto até então. O escopo se amplia, e com ele ganha também a dimensão dos fatos reunidos. Não se trata de apenas alguns pobres coitados reunidos lá onde Judas perdeu as botas. Essa é uma realidade que pode estar absurdamente próxima do espectador. Assim, após passar por casos similares, o foco se muda para São Paulo, a cidade mais populosa do país. Estrangeiros explorados pela condição clandestina, grandes marcas – como as redes de lojas Zara e M. Officer, ambas com envolvimento comprovado na contravenção – fazendo uso desse recurso para se tornarem competitivas em uma faixa de mercado que visa cada vez mais o preço e menos as estruturas envolvidas, e outras formas de desrespeito são reunidas, proporcionando um painel tão revoltante quanto desesperador.

No entanto, é preciso o distanciamento necessário para observar que mais do que se está discutindo no centro da narrativa, o que irá oferecer a esse conjunto um viés relevante é a estrutura assumida. E essa teria muito a agradecer caso fosse observado uma postura mais cinematográfica, menos jornalística. As Vidas Descartáveis, infelizmente, são muitas, e precisam encontrar meios para ser consideradas. No entanto, Valenti e Graça parecem tão absortos pelo caráter de denúncia que acabam deixando de lado certos respiros que cairiam bem ao conjunto, como um lado investigativo mais profundo, uma trilha sonora menos intrusiva e uma fotografia mais focada no indivíduo, menos na amplitude dos cenários. Nada que retire o valor do trabalho conduzido. Mas que pode, sim, esvaziar o alcance de uma obra que precisa voar, ao invés de se limitar a círculos fechados e viciados.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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