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Sinopse
Cinco mulheres desafiam os rótulos e os dogmas que as asfixiam na cidade de Haifa, em Israel.
Crítica
Amos Gitai, um dos mais consagrados cineastas israelenses contemporâneos, nasceu em Haifa, a terceira maior cidade do país e, importante destacar, dona de uma geografia portuária – ou seja, é um lugar tanto de partida, quanto de chegada. Essa conotação de trânsito, de mobilidade, está presente do início ao fim de Uma Noite em Haifa, longa dirigido por ele em 2020 e exibido pela primeira vez durante a mostra competitiva oficial do Festival de Veneza – de onde, no entanto, saiu de mãos abanando. Esse descarte no evento italiano, no entanto, não é casual. Pois há uma forte dicotomia na obra que aqui se apresenta. Por mais que seja um nome de respeito, Gitai não pode evitar ser um homem, branco, de mais de setenta anos que, no entanto, se dispõe dessa vez a apresentar um manifesto feminista, construído a partir de um roteiro escrito por uma mulher e tendo à frente do elenco um grupo de atrizes que ganham mais destaque – seja pelo argumento, ou mesmo pela postura que assumem – do que seus colegas masculinos. A questão, portanto, é se seria mesmo o lugar do realizador assumir esse discurso. E uma vez levado adiante, o quão evidente se torna a sua inadequação frente a uma narrativa que grita por um olhar feminino?
Assim como em seus últimos longas, Amos Gitai mais uma vez demonstra, em Uma Noite em Haifa, estar mais preocupado com a forma do que, necessariamente, com o que pretende ser dito. Tanto é que sua trama se desenvolve como coral, sem que tenha, necessariamente, uma guia específica. Eis uma importante constatação, ainda mais diante do título original, Laila in Haifa, que pode ser traduzido livremente como Laila em Haifa. Essa, vivida em cena por Maria Zreik (Wajib: Um Convite de Casamento, 2017), pode ter assumido para si a missão de abrir e fechar essas histórias, mas tal posição é meramente casual. Aliás, até mesmo essa leitura pode ser contestada, uma vez que a primeira cena é com um homem, Gil (Tsahi Halevi, de Belém: Zona de Conflito, 2013), sendo atacado por assaltantes e, segundos depois, recebendo socorro da própria Laila. Há entre eles uma relação, não apenas profissional, mas também de afeto: são amantes. Mas esse é um envolvimento que talvez não resistirá ao passar das próximas horas.
Sim, pois a noite resgatada pela denominação brasileira é apropriada, uma vez que é no decorrer desse período que estas figuras femininas ganharão não apenas voz, mas também serão confrontadas em suas motivações e anseios. Há as que querem buscar novos horizontes, as que lutam por uma causa, e até mesmo as que estão atrás apenas de uma companhia. De uma forma ou de outra, são personagens perdidas, lutando por se encontrar, seja num autor (como propôs Pirandello) ou mesmo em alguns instantes de afeto. Uma enfrenta uma crise no casamento, outra está cansada de esperar por uma solução pacífica entre Israel e a Palestina, e há aquela preocupada apenas em se mostrar apresentável no encontro às cegas que tem agendado a seguir. São mulheres que lutam com as armas que tem, por mais que vez que outra esses enfrentamentos soem como inevitáveis. A jovem casada com um homem mais velho busca se satisfazer nos braços de outro, a empreendedora que lida com um relacionamento abusivo releva as agressões recebidas, e assim por diante.
Marie-Jose Sanselme é parceira de longa data de Gitai, tendo estreado ao seu lado em O Dia do Perdão (2000). Os dois tem trabalhado juntos por décadas, de modo inseparável, e seria de se imaginar que o entendimento entre eles teria alcançado um afinamento preciso. Não é, porém, o que Uma Noite em Haifa revela. Entre frases de efeito e soluções um tanto simplistas, como o embate entre a militante e o senhor abastado dentro do carro, há ainda elementos paralelos que não apenas miram para outras direções, como também enfraquecem o debate. O retrato do casal gay é um bom exemplo: sem ser desenvolvida a ponto de se tornar relevante junto ao espectador, a dupla se manifesta apenas como um apontamento, um piscar de olhos para uma eventual diversidade, sendo que enquanto argumento pouco soma enquanto reflexão. Tivesse focado apenas no drama destas mulheres, mais força ganharia não apenas o conjunto, mas também o alcance desta discussão.
Ao mesmo tempo em que vislumbra um mundo melhor longe dali, aqui estão homens e mulheres que sofrem em deixar para trás aquilo que tanto reconhecem e com o qual já se familiarizaram. O sentimento, no entanto, está além de uma decisão de momento, indo não apenas de encontro com o horizonte ao qual se dirigem, mas voltando-se para o interior de cada um destes aqui reunidos e do que os move enquanto indivíduos. É quando se tornam evidentes vários pontos de partida, mas frágeis em suas bases justamente pela falta de aprofundamento ou por não conseguirem se dissociar do óbvio ou redundante. Amos Gitai é hábil em reunir em Uma Noite em Haifa um cenário digno de atenção e cuidado. Mas, indeciso em optar por apenas um caminho a ser percorrido, decide por todos trilhar, sem se fixar a nenhuma dessas opções em particular. E assim recai no superficial, algo não desejado a nenhum contexto, menos ainda a um tão urgente quanto o aqui visto no centro das atenções.
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