Crítica


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Sinopse

Durante a luta pela custódia de seus filhos na Noruega, uma imigrante indiana enfrenta as autoridades locais.

Crítica

Há muitos assuntos fortes em Uma Mãe Contra um País. O comportamento do governo norueguês diante de uma família de imigrantes indianos deixa evidente a xenofobia. O calvário enfrentado pela mãe na tentativa de recuperar os filhos pequenos sugere um labirinto kafkiano de legalidade para instrumentalizar a lei em favor dos poderosos. Também podemos perceber a violência do choque cultural, especialmente os mecanismos de um país europeu para quase criminalizar aspectos intrínsecos à educação dos indianos. Assim que esse caso avança, o machismo é igualmente escancarado, afinal de contas a personagem principal precisa lidar com a frieza de um marido acusado de agredi-la impunemente. São tantas as possibilidades, cada uma com suas complexidades e pontos específicos de interesse. No entanto, a cineasta Ashima Chibber decide abordar o caso factual que envolveu a imigrante Sagarika Chakraborty como um melodrama focado, estritamente, em enfatizar os esforços de uma típica mãe-coragem. Ela é capaz de mover montanhas se isso garantir a proximidade de seus filhos. Para isso, a realizadora menciona todos esses temas e afins, mas nunca os desenvolve. Xenofobia, machismo, tradição, solidão são elementos observados como meros obstáculos para o bem e a justiça prevalecerem. Além disso, falta habilidade à direção na lida com os diversos desafios que o melodrama impõe.

A primeira sequência já expõe a mão pesada da direção, algo corroborado ao longo do filme. Depois de trocarem olhares malévolos diante de uma família de imigrantes indianos, assistentes sociais saem apressadamente com suas crianças à tiracolo, logo perseguidas por uma mãe desesperada que tropeça e cai em câmera lenta ao perseguir o carro das “sequestradoras” em movimento. Não bastasse a situação em si, repleta de elementos angustiantes, a cineasta ainda incentiva a dramaticidade com uma música chorosa e a desaceleração da imagem, como se quisesse que prestássemos ainda mais atenção ao sofrimento de Debika (Rani Mukerji). O registro pouco afeito a sutilezas prevalece nessa produção indiana que chegou há pouco ao Brasil por meio da Netflix. Em tese, nada contra rompantes emocionais pronunciados em alto e bom som, desde que seja preservada a autenticidade dos sentimentos em jogo. Adepto do melodrama, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar disse certa vez que, ao optar pelo subgênero, era fundamental cuidado para não cair em suas armadilhas, sobretudo as popularizadas como estigmas pelas telenovelas. Em Uma Mãe Contra um País, há uma espécie de “novelização” da trama factual que contou com vários componentes. Isso porque a cineasta (também uma das roteiristas) aposta na simplificação para se comunicar com o público. E, nesse processo, as nuances somem.

Na única cena em que Debika é vista sendo agredida fisicamente pelo marido, ela revida demonstrando altivez. No entanto, é citado um histórico de violência doméstica, o que nunca é desenvolvido, sequer como traço decorrente da estrutura patriarcal da cultura indiana. Tanto que o cônjuge somente é colocado na posição de “alguém a ser odiado” por seu egoísmo. Aos olhos do filme, ele merece ser repreendido por colocar a cidadania norueguesa acima da família, mas não tanto por brutalizar a mulher que descaradamente diz amar. Já os membros do governo norueguês são tipificados, representados como uma gangue de tentáculos extensos que atua apenas em benefício de uma acumulação financeira. Para elevar a sua protagonista como uma representante de algo tão puro e justo, a realizadora sente a necessidade de construir um antagonista burocrático e despersonalizado, sem ao menos sublinhar direito a xenofobia como combustível dessa besta eurocêntrica. Como a trama possui apenas um tom, o que vemos em grande parte de seu desenvolvimento é a mãe fazendo das tripas coração para localizar e reaver as suas crianças. Ao menos Rani Mukerji compõe essa personagem de modo coerente, ou seja, seguindo os excessos impostos pela direção como diretriz, apostando em lágrimas e gritos diante das adversidades. Os enfoques políticos do discurso são enfraquecidos pelas repetições.

Outra coisa que compromete Uma Mãe Contra um País é a falta de consistência dos retratos. Para começar, não há variedade de matizes na imagem dessa mãe/esposa/imigrante claramente situada como vítima em todas as circunstâncias – ainda que se possa fazer objeção aos seus métodos, o filme justifica todos os atos com idealizações sobre maternidade. O veredito de que a residência dos indianos é insalubre às crianças chega a ser ridículo, pois o que vemos é uma casa, no máximo, onde é perceptível a desorganização natural de um lar com duas crianças pequenas. Alguém pode dizer “mas é justamente aqui que mora a crítica”. Contudo, não é bem assim. Primeiro, porque Ashima Chibber não elabora essa diferença entre o laudo e a realidade e nem ao menos chega perto de questionar o conteúdo do documento técnico. Segundo, porque o mesmo argumento da insalubridade é enxergado como justo para derrubar a demanda do tio aproveitador, e igualmente testemunhamos um interior quando muito bagunçado, nada mais do que isso. Por fim, a cineasta nem pode reclamar de falta de minutos para desenvolver os assuntos que moldam a trama, uma vez que perde um tempo precioso em dinâmicas utilizadas estritamente para reforçar os desafios impostos à mãe canonizada, vide o socorro providencial dela ao casal adotivo, bem como o fato de suportar a pressão dos pais do marido vindos da Índia.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Miguel Barbieri
7
MÉDIA
5.5

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