Crítica
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Sinopse
Crítica
Coming of age no qual uma adolescente precisa escolher entre cuidar de seus pais portadores de deficiência física/intelectual (nisso diferentes dela) ou ir embora, assim aceitando os termos da vida adulta e compreendendo que tudo pode ficar realmente bem sem ela. Essa poderia ser a premissa de A Família Bélier (2014) ou do seu remake vencedor do Oscar de Melhor Filme, No Ritmo do Coração (2021). Porém, é a de Uma Família Extraordinária, filme baseado em fatos e dirigido por Matt Smukler – ele que assina com Jana Savage o roteiro inspirado nas experiências reais de sua sobrinha. Aliás, Matt havia comandado o documentário Wildflower (2020) a respeito dessa história de superação agora levada às telonas por meio da ficção. Ainda que a dúvida entre a emancipação ou seguir facilitando o cotidiano dos pais neurodivergentes não ocupe tanto espaço na trama desta vez, é curioso que tenhamos filmes com semelhanças tão evidentes num relativamente curto espaço de tempo. A protagonista da vez é Bea (Kiernan Shipka). Perto de completar o secundário escolar, ela sofre um acidente e acaba em coma. Apenas próximo ao encerramento do longa saberemos o que aconteceu com ela (e nem importa muito), mas fato é que temos uma narradora do tipo que conta até mesmo as histórias das quais não foi testemunha, ou seja, há uma onisciência forjada pelas várias conveniências do roteiro.
Pensando no fator representação, Uma Família Extraordinária tem como intérpretes dos pais de Bea o ator Dash Mihok e a atriz Samantha Hyde. Apenas ela é neurodivergente na vida real. Coincidência ou não, o papel da mãe é menor. As interações da menina em crise são bem mais significativas com o pai – exatamente como também eram as de A Família Bélier e No Ritmo do Coração. Como Bea não consegue se lembrar dos eventos que a levaram a uma cama de hospital em estado crítico, resolve contar a sua trajetória desde o início, o que inclui o envolvimento inicial dos pais, as reações diversas dos seus avós, entre outras coisas que provavelmente tenha ouvido de alguém. Mas, em nenhum momento é assinalada essa diferença entre as memórias pessoais e aquilo que ela simplesmente ouviu falar, o que empobrece a narração, pois a torna uma simples formalidade para conduzir a experiência do espectador. Tão logo passada a infância de Bea, Kiernan Shipka assume o papel dessa jovem que funciona diariamente como uma facilitadora essencial em sua casa – momento em que o restante da família (avós, avôs, tios, tias e primos) faz brevíssimas e pontuais participações. O filme assume o ponto de vista da adolescente e constrói seus dilemas a partir de coisas comuns, tais como a vergonha de levar o namorado para casa, a falta de dinheiro para seguir os colegas numa viagem de formatura, etc.
Bea poderia ser uma personagem complexa, mas tem seus dramas excessivamente diluídos pelo simplismo da abordagem feita de ações e reações meio óbvias. Já as crises são utilizadas como catapultas ao surgimento das lições de moral. Por exemplo, em nenhum instante o diretor demonstra real interesse pelas frustrações compreensíveis de uma menina que, especialmente a partir de certo ponto da vida, passou a ter uma atitude materna diante da sua mãe. Essa noção está ali, rondando o enredo, mas nunca se confirma como algo importante. Do mesmo modo, a ternura que funciona como argamassa para aproximar pai, mãe e filha é gerada a partir de lugares-comuns pouco diversificados pelas atitudes genéricas da direção. Em determinado momento Bea é confrontada pelo namorado. O rapaz percebe nela certo apego por situações em que funciona como protetora e mandatária. No entanto, isso somente serve ao episódio romântico da reconciliação. Os problemas são encarados estritamente como salas de espera rumo aos aprendizados que servirão como molas propulsoras à vida adulta da protagonista. Além disso, em poucos instantes a nerurodivergência é observada para além de algo que gera transtornos e problemas, mas que no fim das contas não impede uma rotina familiar. O filme enquadra obstáculos com um sorriso e a promessa de que, no fim das contas, tudo vai dar certo.
As semelhanças entre Uma Família Extraordinária, A Família Bélier e No Ritmo do Coração não ficam restritas às premissas praticamente idênticas e à manutenção da perspectiva de uma estranha num ninho bem familiar (o paradoxo que sustenta os filmes). Nos três enredos a jovem ansiosa diante da difícil decisão de ir embora e ganhar o mundo ou permanecer numa rotina asfixiante acaba encontrando alento nos braços de um dos mais populares e bonitos garotos da escola. E esse acompanhante fofo gradativamente revela o seu predominante lado sensível. O romance não faz mais do que justificar um par de conversas em que a protagonista expõe seus medos e o rapaz oferece um pouco de si para mostrar que ela não está tão sozinha como imagina. O desfecho dos três longas-metragens é também bastante semelhante, inclusive em tom, pois diante das incertezas do futuro (tanto o da menina longe quanto o dos pais sozinhos) predomina a esperança. Desse modo, o filme cumpre as promessas feitas ao longo de seu desenvolvimento. No entanto, ainda no escorregadio e complicado terreno das comparações, a produção assinada por Matt Smukler não tem o carisma e a leveza cativante do longa francês, perdendo nesses mesmos quesitos se equiparado ao vencedor do Oscar. Isso porque intercala burocraticamente problemas e soluções para construir esse discurso positivo que a caracteriza.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Alysson Oliveira | 5 |
MÉDIA | 2.5 |
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