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Sinopse

Laerte, depois de uma crise durante uma importante audição, acaba indo, triste, dar aulas de música em uma favela. Lá, acaba redescobrindo a paixão por compor ao lado dos dedicados jovens que encontra.

Crítica

Sergio Machado começou a chamar atenção ao contar histórias da sua própria terra, revelando outros olhares sobre sua Bahia natal. Títulos fortes como Cidade Baixa (2005) e Quincas Berro d’Água (201) deixavam isso muito claro. Nos últimos tempos, no entanto, ele tem começado a demonstrar uma preocupação com o social, indo além dos problemas locais e apontando para questões mais amplas. O documentário Aqui Deste Lugar (2015), apresentado na mostra competitiva do Cine PE 2015, já indicava essa direção. E seguindo essa lógica, ele passa agora para a ficção ao entregar o drama Tudo Que Aprendemos Juntos, um conto sobre como a arte pode transformar pessoas e realidade. Enfim, nada que já não tenhamos visto antes, e melhor. Mas ainda assim, dono de alguns méritos que merecem ser observados com maior cuidado.

O universo da música clássica, por mais elitista que possa parecer num primeiro momento, seguidamente tem marcado presença na tela grande. Desde vencedores do Oscar (Amadeus, 1984) até sucessos independentes (O Concerto, 2009), nenhum cinéfilo mais atento pode se declarar estranho ao tema. Até no Brasil temos um curioso exemplar desse subgênero – Orquestra dos Meninos (2008), de Paulo Thiago. Pois é justamente com esse último que Tudo Que Aprendemos Juntos guarda maior proximidade. Uma semelhança, aliás, que não lhe traz bem algum. Afinal, ambos, em resumo, apresentam o mesmo argumento: um homem – primeiro Murilo Rosa, agora Lázaro Ramos – que, através do ensino musical, altera para sempre as vidas de jovens carentes. Mas se antes o tom de conto de fadas assumido cabia bem ao cenário lírico no interior do país, dessa vez investe-se na urgência das situações desvendadas, tomando-se um caráter de denúncia e servilismo deslocado e anacrônico.

Muito desse estranhamento se compreende, enfim, ao término do filme, quando, na abertura dos créditos de encerramento, descobrimos estar diante de uma adaptação da peça Acorda Brasil, escrita por Antônio Ermírio de Moraes. Ou seja, são pobres, marginais, traficantes e desfavorecidos em geral sob a visão de um dos homens mais ricos do país. Observando sob essa perspectiva, é de se questionar qual a proximidade do autor com o assunto, que experiência possui para afirmar que um professor de violino, assim que enviado para dar aulas numa escola de favela, conseguirá de fato provocar uma mudança real nestes jovens. Os estereótipos estão todos lá: o garoto envolvido com o tráfico, a grávida adolescente, aquele que precisa cuidar do pai bêbado e o que terá que abandonar os estudos para ir trabalhar. Jogados na trama sem maior cuidado, apenas para constar. Apenas um deles possui um desenvolvimento mais próximo, e mesmo assim é descartado de forma inesperada. Um momento que deveria ser climático acaba perdendo sua força e tendo seu sentido esvaziado.

Há coisas boas em Tudo Que Aprendemos Juntos, no entanto. Ramos, como protagonista, exibe sua competência habitual, e o jovem Kaíque de Jesus (como Samuel) é uma revelação. Percebe-se que a edição de Márcio Hashimoto (Faroeste Caboclo, 2013) foi bastante trabalhada, assim como a fotografia de Marcelo Durst (Benjamim, 2003) procura nunca desnivelar pelo olhar personagens de diferentes classes sociais. Mas isso é pouco perto da questão mais problemática do projeto: seu roteiro. O protagonista é construído de forma antipática – é difícil entender a afeição dele pelo novo ambiente, surgida de modo abrupto somente quando precisa partir, pois em toda oportunidade enfatiza com firmeza sua vontade de sair dali, além de sempre tratar com rispidez os alunos. Já a música não possui uma relevância especial – do jeito que é apresentada, poderia ser corte-e-costura ou futebol, pois a prática em si não chega a ser explorada com maior profundidade. E entre passagens ingênuas – o violinista que precisa exibir sua arte com uma arma apontada na cabeça para se livrar de uma abordagem perigosa ou a menina que grita com lágrimas nos olhos sua vontade de ter aula aos sábados (?) – e conceitos desgastados, o filme termina por se apresentar frágil demais diante qualquer análise mais detalhada.

Lázaro Ramos é um bom ator, e já demonstrou isso em várias ocasiões anteriores. Mas não o suficiente para salvar um filme cuja própria premissa está entregue a visões clichês e ultrapassadas. A impressão é que Sergio Machado tentou a todo custo evitar um sentimentalismo gratuito em sua narrativa, porém esse é o cerne da questão que Tudo Que Aprendemos Juntos levanta. Pelo medo de se assumir e pela condução problemática da história que deveria defender, tem-se um filme que não merece ser lembrado nem pelos talentos envolvidos, e muito menos pela temática que deveria apresentar. Uma oportunidade desperdiçada, cujo destino mais viável parece ser o esquecimento imediato.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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