Crítica


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Sinopse

Um dia na vida de Leo e sua filha, Molly, enquanto ele flutua por histórias alternativas que poderia ter vivido, levando a garota a lutar com seu próprio caminho enquanto ela considera seu futuro.

Crítica

Leo (Javier Bardem) agoniza na cama. Um flashback o mostra de volta ao México natal (representado por casas de cor amarelo mostarda e rosa salmão), onde também agoniza na cama. Quando se começa a suspeitar que Leo ficará preso à cama o tempo inteiro, o personagem se levanta, para então agonizar na rua, no consultório médico, numa loja de departamentos. Durante um único dia, este corpo sofredor se deslocará com dificuldade pela cidade, recebendo a ajuda da gentil filha Molly (Elle Fanning). É óbvio que este homem deficiente, com dificuldade para expressar os mais simples monossílabos, não tem capacidade de cuidar de si próprio. A filha passará o filme inteiro em negação, buscando acreditar que as palavras proferidas pelo querido pai ainda possuem alguma razão decifrável. Em Sonhos de uma Vida, Sally Potter reúne numa narrativa modesta o homem vitimado e a jovem mártir, ou ainda o pai traumatizado pelos erros do passado e a filha que procura ser merecedora do amor paterno.

A diretora aposta numa espécie de cinema somatizado, onde qualquer forma de dor precisa ser exteriorizada para o corpo dos personagens de modo que o espectador compreenda os conflitos. Assim, toda tristeza vira lágrima, toda raiva vira grito, toda alegria vira risadas. A cineasta e roteirista acredita num cinema de virtudes inabaláveis – o amor, a compaixão, o perdão -, impedindo qualquer forma de ambiguidade: a filha acompanhará o pai durante cada passo do dia penitente; ele tentará se expressar (sem sucesso) em toda cena; os médicos demonstrarão a mesma mistura de solicitude e impaciência com o homem comprometido mentalmente. Ele teria sofrido um derrame? Um acidente? Para o filme, pouco importa. Os flashbacks nos garantem que o escritor se comunicava normalmente anos atrás. Potter minimiza a origem do problema de saúde porque para ela, a verdadeira doença é aquela da alma, e não do corpo. A doença/síndrome do pai torna-se símbolo dos problemas sentimentais não resolvidos.

Por mais banal que seja esta metáfora, ela simplifica a dualidade corpo-alma que permeia toda a narrativa. “Você sempre será você, pai”, afirma a filha, com lágrimas nos olhos, enquanto a ex-esposa (Laura Linney) do escritor se questiona mais tarde, diante do corpo inerte: “Ele realmente está aqui?”. A sugestão de que a morte de terceiros leva consigo uma parte daqueles que ficam imerge em Sonhos de uma Vida (2020) numa mistura indigesta de existencialismo e autoajuda, repleta de frases de efeito e diálogos explicativos na intenção de situar o espectador sobre informações básicas de seus personagens. Para transmitir o fato de que o protagonista escrevia livros, ele simplesmente pergunta a uma jovem anônima “que tipos de finais ela prefere”, para então esmiuçar a trama que está construindo. Potter não possui a mão muito leve na construção do roteiro – a sequência do Dia dos Mortos, com Bardem e Salma Hayek, se revela particularmente novelesca -, e tampouco demonstra sutilidades na direção. Nenhum recurso soa mais óbvio para ressaltar o sofrimento do que fechar o enquadramento nos rostos em lágrimas ou aumentar o volume da trilha sonora de orquestras a cada nova revelação.

A diretora investe portanto na cartilha mais desgastada do melodrama convencional, contando com dois atores comprometidos até demais. Bardem adora se entregar aos tipos martirizados (vide Mar Adentro, 2004, e Biutiful, 2010), efetuando mais um trabalho de composição tão sério quanto desprovido de nuances – o filme nunca permite que ele diga mais do que fragmentos de afeto incompreensíveis, com os mesmos olhos arregalados. Fanning, jovem atriz talentosa, faz o possível para trazer alguma complexidade à garota que perde um trabalho importante pela dedicação ao pai enfermo. No entanto, o filme não dá conta de sugerir em profundidade a vida fora do enquadramento: Molly existe apenas para apoiar o pai doente, enquanto ele existe apenas enquanto manifestação de traumas. Eles são instrumentalizados em nome do drama, tornando-se dores ambulantes. Fica difícil imaginar como seriam as suas vidas fora das explosões dramáticas.

Talvez o maior problema deste catálogo de dramas interpessoais seja acreditar-se muito complexo, fornecendo grandes ensinamentos sobre a essência humana, sobre o amor e a perda, enquanto na verdade apenas garante o mínimo necessário para representar a universalidade de conflitos. Por este motivo, cenas como o roubo do cão dentro de uma loja de roupas beiram o cômico ao sublinharem uma emoção tão evidente em cada cena. Neste projeto, Potter não parece acreditar na capacidade do público em deduzir sentimentos por conta própria, nem na capacidade de seus atores em transmitir desconforto ou remorso sem passar pela obviedade da dor. Dá-lhe então imagens de lágrimas, desespero, corpos contorcidos, o pôr do sol contemplado melancolicamente na Grécia. A narrativa condensa tantos clichês da tragédia que se assemelha a uma paródia involuntária do gênero, reflexo de um cinema autoimportante, muito menos inovador ou profundo do que imagina ser.

Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
3
Ticiano Osorio
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MÉDIA
3

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