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Sinopse

Uxbal coordena vários negócios ilícitos, que incluem a venda de produtos nas ruas e a negociação do trabalho de um grupo de chineses não legalizados e em condições precárias. Além disto, possui o dom de falar com os mortos e usa esta habilidade para cobrar das pessoas que desejam saber mais sobre seus entes já falecidos. Ele precisa conciliar tudo isso com o papel de pai de dois filhos. Até que descobre que está com câncer e tem poucos meses de vida.

Crítica

Nas entrevistas concedidas no momento do lançamento de Biutiful, o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu confessou que havia cansado da estrutura de multitramas utilizada em seus três filmes anteriores – Amores Brutos (2000), 21 Gramas (2003) e Babel (2006). Desta vez, concentraria suas forças em apenas um personagem, o trágico Uxbal, interpretado por um magnífico Javier Bardem, indicado ao Oscar por sua performance.

Cansaço, claro, é apenas uma forma de ver a situação. Depois de ter cortado relações com seu ex-colaborador Guillermo Arriaga, roteirista das três produções supracitadas e diretor do irregular Vidas que se Cruzam (2008, também com múltiplas tramas), Iñárritu se viu obrigado a procurar outro parceiro de trabalho. O cineasta encontrou não um, mas dois: os estreantes Armando Bo e Nicolás Giacobone. Para quem estava curioso em saber como esta mudança se daria, a boa notícia é que os novos roteiristas podem ser responsáveis pela melhor história dirigida por Iñárritu. A bem da verdade, se o cineasta mexicano estava realmente cansado das multitramas, boa parte do público estava bem mais. Portanto, é interessante observar o diretor concentrar seu foco em apenas um personagem. Ou quase isso.

A trama acompanha Uxbal (Bardem), um homem abatido por uma doença terminal, pai de dois filhos pequenos, e que sabe a importância de não deixar o mundo com assuntos pendentes. Separado da mãe de seus filhos, Maramba (Maricel Alvarez), mulher que sofre com transtorno bipolar, Uxbal percebe que deixará as crianças em uma situação bastante difícil caso sucumba à sua doença. Por isso, Uxbal vê em uma reconciliação com a ex-mulher uma saída. Dotado de uma ligação forte com o mundo espiritual, Uxbal ganha alguns trocados de conhecidos ao ajudar os recém falecidos acharem seu caminho. E, também, ganha a vida auxiliando Hai (Cheng Tai Shen) no trato com seus empregados, responsáveis pela manufatura de produtos piratas.

Como todos os filmes de Iñárritu, a morte é uma presença constante no destino de seus personagens. Bardem, um ator excepcional quando bem escalado, entende esta angústia da proximidade da morte e carrega seu Uxbal com o peso do inevitável. É interessante observar a mudança de comportamento deste pai abnegado. Preocupado com sua doença – e sem saber de suas fatais conseqüências – Uxbal entra em um intenso estado de nervos, não vendo problemas em chamar a atenção de seu filho à mesa, quando este o incomodava. Evidentemente, depois de descobrir a gravidade de sua enfermidade, Uxbal tenta transformar seus momentos com as crianças em boas lembranças. Difícil, obviamente, com tantas preocupações em volta de sua cabeça. Mas isso não o impede de passar o último aniversário da filha, Ana (Hanaa Bouchab), com um sorriso e de tentar compreender o momento difícil pelo que passa seu caçula, Mateo (Guillermo Estrella), que vem sofrendo com pesadelos.

Tudo isso é mostrado de forma bastante particular por Alejandro González Iñárritu, tentando sempre manter o foco em Uxbal, seus atos e conseqüências. Talvez por um cacoete do passado, algum tempo seja reservado para personagens secundários – como o casal chinês, a empregada asiática e seu filho – mas nunca chegam a ser caracterizados como subtramas. É apenas a forma do cineasta enriquecer o universo em que está contido, dando importância para alguns personagens que nem sempre acabam dizendo a que vieram.

Javier Bardem sabe que tem a tarefa de levar o espectador pela jornada trágica que seu papel propõe. Portanto, o ator não economiza em sua caracterização. Visivelmente abatido, carregando todas as preocupações do mundo em seus ombros, Bardem capricha no ar cansado e sua expressão corporal demonstra toda sua dor. Isso quando está sozinho. Junto dos filhos, da ex-mulher ou de amigos, Uxbal tenta manter as aparências. Mas o espectador sabe muito bem que o fim está próximo. O pensamento de morte que ronda a cabeça do protagonista não está vinculado apenas com seu próprio destino. Relembrando um pai que nunca chegou a conhecer em vida, Uxbal se vê às voltas com o realocamento do corpo do falecido – o que o faz pensar, claro, no seu próprio fim.

Outro destaque do elenco vai para a estreante Maricel Alvarez, que faz de Maramba uma inesquecível e inconstante parceira para Bardem. Suas atitudes para com seus filhos surpreendem pela total falta de critérios e não demora nada para Uxbal descobrir que voltar com sua antiga companheira não será a resposta para seus problemas. Alvarez consegue ser uma presença que faz frente à ótima performance de Javier Bardem, criando uma dobradinha perfeita com o ator espanhol.

Carregando a trajetória trágica de Uxbal com a pungente música de Gustavo Santaolalla e fotografando a Espanha com cores escuras – como se os dias estivessem sempre nublados e sem vida – Alejandro González Iñárritu constrói seu melhor trabalho até o momento. Não precisando embaralhar a cabeça do espectador com a excepcional montagem de 21 Gramas, nem se perdendo em uma multitrama pouco inspirada em Babel, o cineasta faz um filme bastante maduro, que fará certamente os espectadores pensarem na fragilidade de sua existência. É isso, no fim das contas, que acaba levando o público que se aventura em uma sessão de Biutiful. Difícil não pensar na própria mortalidade ao assistir os passos de Uxbal inexoravelmente chegarem até seu destino final. Trabalho de primeira, indicado também ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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