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Sinopse

No verão de 1992, o casal Lucrecia e Pedro estão comemorando seus 22 anos de casamento em meio a uma crise e prestes a se divorciar. Porém, antes de tomar essa decisão, resolvem viajar com os dois filhos adolescentes de Buenos Aires para Florianópolis em um velho carro sem ar condicionado.

Crítica

Ana Katz não faz cinema por acaso. Diretora e roteirista de Sueño Florianópolis, começou sua carreira como realizadora com curtas-metragens, para estrear logo em seguida no formato longa com El Juego de la Silla (2002), comédia dramática premiada nos festivais de Lleida, San Sebastian, Toulouse e Trieste, entre outros. De lá para cá, acabou privilegiando a carreira como atriz – marcando presença em sucessos como Whisky (2004) e O Crítico (2013) – e a vida em família, enquanto esteve casada com o astro uruguaio Daniel Hendler. Agora, já em um outro momento, volta a se direcionar ao trabalho de contar histórias. E depois de Minha Amiga do Parque (2015), reafirma sua vontade de olhar para a condição feminina com atenção, porém nunca de forma isolada do meio no qual suas protagonistas estão inseridas. Com o charme extra, dessa vez, proporcionado pela forte conexão com o Brasil, seja pelos cenários da trama ou mesmo pelo idioma e parte do elenco selecionado. O resultado é irregular, mas nunca desprovido de interesse.

Desta vez sem aparecer em frente à câmera, Katz coloca a excelente Mercedes Morán como líder de uma família argentina em férias rumo ao sul brasileiro. Assim como milhares de conterrâneos, depositam em Florianópolis, capital de Santa Catarina, a esperança de lá se depararem com um ambiente paradisíaco, capaz de restaurar forças e renovar energias. No caso deles, não é apenas o cansaço e o desgaste natural após um ano de muita luta e esforço. A situação, agora, é um pouco mais grave. Lucrecia (Morán) e Pedro (Gustavo Garzón, de O Cidadão Ilustre, 2016), seu marido, estão se separando. A viagem, portanto, é a última tentativa de avaliarem se há ou não condições de seguirem juntos. A decisão dos filhos irem com eles colaborou nesse sentimento de união. Por outro lado, o contato que acabam estabelecendo com os nativos Marco (Marco Ricca) e Larisa (Andréa Beltrão) serve como força contrária às intenções iniciais.

É a isso que se dedica a cineasta: observar essa desintegração familiar, sem pressa nem atropelos, mas motivada simplesmente pela falta de interesse que vem do passar dos anos, potencializada por questões externas. O acaso possui função determinante no andar da carruagem, por assim dizer. Se há um porém, no entanto, é que tudo acaba por soar demais como um quebra-cabeças prestes a ser completado, com todas as peças combinando uma às outras, sem arestas ou tropeços. Ainda na estrada, antes de chegarem ao destino almejado, o carro se vê sem combustível. Quem os encontra e decide ajudá-los? Os brasileiros. Os mesmos que possuem uma casa para alugar por temporada à beira da praia e servirá para abrigá-los durante essas semanas de verão. A proximidade irá proporcionar outras relações, como o flerte intempestivo entre Lucrecia e Marco, um homem que na sua expansividade esconde um ser fraco e carente, e no delicado processo de conquista e atração que se desenrola entre Pedro e Larisa, ele tentando se impor ainda como macho alfa, ela talvez a mais bem resolvida e descomplicada dos quatro.

Marco Ricca, em mais uma performance cativante, domina as atenções a cada entrada em cena, seja pelas propostas absurdas, pelo figurino desprovido de pudores ou pelos modos inesperados e carismáticos. Mesmo assim, não é mais do que um contraponto, pois só interessa à narrativa vê-lo através dos olhos da protagonista. É nela onde se depositam os olhares em Sueño Florianópolis, na espreita para verificar quais serão suas reações, respostas e insatisfações. Ao assumir declaradamente esse ponto de vista, a condutora oblitera demais manifestações. Assim, acompanhamos sem maior interesse o filho simplesmente abandonando o quadro, da mesma forma como o namoro da caçula com o garoto brasileiro (dois triângulos que se encaixam à perfeição) não desperta maiores consequências nem provoca grandes debates, ainda que ameace tais possibilidades, sem, no entanto, o ensejo necessário para desenvolvê-las. Há muitas portas a serem abertas, mas a apatia dos personagens é que determina o ritmo das ações.

Como qualquer romance de verão, o fim é anunciado com antecedência, e dele apenas restará a memória ou a indiferença. Ana Katz talvez consiga o primeiro resultado junto aos mais sensíveis, atentos não aos fatos, mas aos sentimentos. Por outro lado, qualquer um em busca de eventos mais explosivos ou confrontos exagerados inevitavelmente acabará frustrado. Floripa, como os locais a chamam, é gozo e prazer, mas também é terra de sonhos, fantasias que não se realizam ou lembranças que não voltam. Assim como esse filme, uma experiência que poderia ir fundo em várias de suas ideias, mas se contenta em apenas apontá-las, deixando o esforço para desenvolvê-las a cargo do espectador, ou meramente relegadas à imaginação que pode ou não ser perseguida. Mais do que um mérito ou um descaso, é uma postura corajosa, que talvez nem todos a assumam, muito menos satisfaça em igual proporção. Ainda assim, ousa pela originalidade, e por isso justifica a curiosidade despertada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Chico Fireman
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MÉDIA
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