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Sinopse

Uma garota obstinada deseja encontrar um lugar no mundo. Nessa jornada particular, ela achará sua alma gêmea ao cruzar com o caminho de de um cavalo selvagem chamado Spirit.

Crítica

Há quase duas décadas, logo após o sucesso inesperado de Shrek (2001), a DreamWorks lançou Spirit: O Corcel Indomável (2002), longa de animação absolutamente tradicional – indo na contramão do impacto causado pelo revolucionário projeto lançado um ano antes – que, mesmo assim, conseguiu arrecadar mais de US$ 120 milhões nas bilheterias de todo o mundo e recebeu uma indicação ao Oscar. Foi o suficiente, portanto, para que tais personagens fossem explorados em jogos de videogame (Spirit: Stallion of the Cimarron – Forever Free, 2002) e em séries animadas para a televisão (Spirit Riding Free, 2017). É dentro desse contexto que chega a releitura Spirit: O Indomável, filme que não é nem uma refilmagem, muito menos uma sequência do original, mas antes uma nova abordagem sobre a mesma história. Dito isso, o mais intrigante a respeito é indagar o que teria levado adiante uma ideia que já se demonstrava cansada vinte anos atrás, e que desde então tem se tornado cada vez mais envelhecida e anacrônica.

Ou seja, trata-se de uma história inédita, mas que parte da mesma ideia. Spirit, o personagem-título, continua um cavalo selvagem. A ambientação da trama é no Velho Oeste norte-americano, ou seja, em algum momento do século XIX. A protagonista, no entanto, é uma menina, o que deveria, supostamente, atender a um movimento politicamente correto que visa o empoderamento feminino e que tem se refletido em outros títulos recentes, como Valente (2012) e até mesmo a trilogia Star Wars mais contemporânea. Lucy Prescott (voz de Isabela Merced) é uma garota inquieta, que está sempre em busca de aventuras. Criada pelo avô e por uma tia, uma das suas tantas confusões acaba por prejudicar as intenções políticas do patriarca, que decide mandá-la, ao menos por uma temporada, de volta aos cuidados paternos, de quem está separada desde pequena. O afastamento se deu a partir da morte da mãe, ocorrido durante uma apresentação a cavalo – ela era uma amazona e artista, portanto.

A estrutura do roteiro concebido por Aury Wallington (Sex and the City, 1999-2004) é um passo adiante, na verdade, da própria série animada citada acima (Spirit Riding Free e seus desdobramentos) e se baseia quase que exclusivamente no conceito de ação e reação. Ou seja, a cada feito exibido em cena, há logo uma consequência imediata, como se não houvesse efeitos intermediários ou outros fatores influindo nestes resultados. Enfim, se foi um acidente que selou o destino materno, é certo tanto que o viúvo temerá que o mesmo se repita com a filha, como essa terá uma paixão quase inexplicável pelos animais citados. No pequeno vilarejo onde se encontram, não há muito o que fazer além de cuidar da horta ou do pomar, acompanhar o movimento das ruas e, claro, se divertir em feiras e outras reuniões públicas. Momentos nos quais os cavalos, inevitavelmente, acabavam se tornando uma das maiores atrações. Domá-los, entendê-los e colocá-los em uso de acordo com diretrizes humanas terminavam por ser suas finalidades.

Acontece que Spirit é capturado, solto, e logo em seguida preso novamente – ou quase isso. Nesse meio tempo o cavalo faz amizade com Lucy, e comerciantes desses animais aproveitam essa relação para se aproximarem da manada. Todos acabam aprisionados – com exceção de Spirit. Lucy, a única capaz de montá-lo, e mais duas amigas, partem em busca dos caçadores em uma missão de resgate. A jornada, por mais bem intencionada que seja, é repleta de incongruências. Pra começar, por mais que a trama se esforce em vilanizar os homens que capturaram os animais, o que estariam fazendo de diferente de todos os demais fazendeiros e homens de negócios daquela época – com o pai e o avô da protagonista, por exemplo? Afinal, cavalos foram fundamentais para o progresso do país, tanto como meio de transporte como na agricultura. Por outro lado, Lucy está disposta a tudo para salvar os cavalos. Ela e as amigas os perseguem como? Montadas em cavalos domesticados! E estão preocupadas em também libertá-los? Pois então, curiosamente, não. Uma liberdade seletiva, portanto.

Há outros fatores problemáticos no filme dirigido por Elaine Bogan (Os 3 Lá Embaixo: Contos de Arcadia, 2018-2019) em parceria com Ennio Torresan (Até que a Sbórnia nos Separe, 2013). Por exemplo, a representatividade latina – por ser ambientado no sul dos EUA, os hispânicos retratados estão sempre em condições de serviçais – sem nenhuma ressignificação a respeito – além de uma quase incontornável previsibilidade no seu desfecho – tanto que diz respeito aos cavalos, como também na relação entre pai e filha. Caso fosse uma adaptação contemporânea, que visasse oferecer uma reflexão sobre as atuais condições dos animais selvagens e como preservar seus habitats, talvez a história encontrasse sua valia. Mas esse seria o que poderíamos ter esperado, e não o que, de fato, agora encontramos. Assim, Spirit: O Indomável não só oferece uma ideia equivocada no título – afinal, ele acaba sendo domado – como também desconexa do seu tempo, pois emula mensagens que simplesmente não encontram reflexo no discurso de agora. Um filme que talvez duas ou três décadas atrás encontrasse seu espaço, mas que hoje, por maior que seja o esforço nostálgico envolvido, soa tão equivocado quanto fora de sintonia.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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