Crítica
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Sinopse
Em Sofia Foi, depois de deixar o apartamento no qual estava hospedada, Sofia se encontra vulnerável. Então, ela decide se esquivar das responsabilidades universitárias para trabalhar como tatuadora.
Crítica
Com raras exceções, filmes com grandes bilheterias não correm muitos riscos. É conveniente ser mais adequado ao gosto geral se você estiver em busca de ampla aceitação. Também convém não ferir quaisquer suscetibilidades. Se o objetivo for um sucesso mercadológico, é preciso ter elementos que agradem a gregos e troianos, fugir das controvérsias e estar disposto a agir para afagar a plateia. No entanto, é importante que haja outros tipos de filmes, e, em semelhante medida, espaços dispostos a dar visibilidade a propostas não orientadas pela lucratividade. São essenciais os terrenos à experimentação da linguagem e/ou à demonstração de anseios íntimos que não necessariamente vão encontrar tantos adeptos nas filas que dobram quarteirões. Sofia Foi é esse tipo de produção disposta a correr riscos, mesmo sabendo que com isso pode limitar bastante o seu alcance comercial. A protagonista é Sofia (Sofia Tomic), jovem estudante da Universidade de São Paulo que está completamente à deriva. Com a chegada do amigo que lhe emprestou o dormitório, ela não tem para onde ir. Na verdade, Sofia opta por uma ruptura com o sedentarismo ao não aceitar a permanência por alguns dias no sofá da sala. Então, decide esconder a mochila com pertences e a sua mesa de tatuadora a fim de flanar pelo campus sem objetivos claros. Pouco sabemos sobre ela e assim continuaremos até o encerramento do filme.
Sofia Foi transpira um frescor que faz bem ao nosso circuito tão cansado pela repetição de velhas fórmulas e por obras conformadas em serem homogêneas e uniformes. O diretor Pedro Gerardo segue a protagonista por todos os cantos, mas não enfatiza dramaticamente o que cada gesto significa e/ou representa. Isso porque o mais importante é o conjunto de ações desprovidas de algo notável em função da significação da condição de Sofia como uma marinheira navegando à deriva dentro de si mesma. Trata-se de um filme lacunar, repleto de momentos longos em que o silencio é quebrado apenas por sons do cotidiano que fica às vezes quase ensurdecedor. Aliás, falando desse aspecto da linguagem, o desenho sonoro do longa-metragem é responsável pela construção da tensão nas deambulações de Sofia por um campus que parece completamente alheio aos seus questionamentos e necessidades. Quando ela está tatuando estudantes a troco de um pouco de subsistência imediata, ouvimos a cacofonia incômoda que pode ser considerada a exteriorização da balbúrdia interna da personagem. Assim, o som é encarregado de revelar a real intensidade do estado emocional dessa garota que mantém um semblante quase petrificado ao longo de toda a trama. Mas, que trama? O enredo é um mosaico repleto de gestos prosaicos e componentes subentendidos, formado de cacos de uma vida juvenil que escoa vagarosamente.
A câmera de Pedro está sempre muito colada à Sofia, fracionando esse corpo situado entre a inércia e a perambulação desprovida de objetivo. Já o roteiro não prevê uma curva narrativa clara, tampouco ações que necessariamente desaguem em reações a elas diretamente interligadas. Há margem para identificarmos que o resultado é fruto de um processo poroso, da assimilação de elementos durante a feitura de uma obra ficcional que dialoga francamente com a linguagem documental. As fronteiras entre invenção e flagrante são praticamente demolidas. Como saber se há algum nível de veracidade na festa que vemos parcialmente enquanto a protagonista tenta algum tipo de conexão numa noite fria? Exemplar da tendência chamada de Cinema de Fluxo – feito de tomadas extensas, muitas vezes com grandes planos-sequência, composições visuais próximas ao abstrato e ênfase na estética visual/sonora –, Sofia Foi é aquele tipo de cinema para um espectador ativo que gosta de se aventurar. Afinal de contas, do que adianta um filme arriscado se a sua plateia é pouco corajosa? É preciso disposição mergulhar no testemunho lacônico da existência que precocemente evanesce, na peregrinação sem destino pelo campus de uma instituição que poderia dar a Sofia uma noção de futuro e acolhimento. É o retrato ora um tiquinho dispersivo, ora poético de uma jovem adulta que parece condenada.
Claramente tirando lições de filmes como Elefante (2003), de Gus Van Sant, e Kids (1995), de Larry Clark, Sofia Foi utiliza as referências como combustível, não como um horizonte ao qual chegar. Desse modo, Pedro Gerardo não emula estilos visando identificação, tampouco observa a pós-adolescente pelos mesmos prismas que as suas influências norte-americanas. Em que pese a natureza universal da jornada solitária de Sofia, ela está intimamente ligada ao lugar, àquelas paredes pouco convidativas, aos caminhos que cortam os blocos da faculdade, a uma espécie de falência das promessas de prosperidade inerentes ao ensino superior. O rigor da decupagem (divisão das cenas em planos) que fraciona os personagens reforça a tentativa de mergulhar na intimidade, sendo atento, mas não invasivo, enxergando verdadeiramente, porém sem devassar. Mas é a expressividade do som que nos revela a verdade, vide o barulho claramente artificial das rodinhas da mala em contato com o concreto quando ela deixa o dormitório para trás. No semblante de Sofia, não está estampado o desalento. O incômodo está nessa hiperestilização do som, na sobressalência dos agudos encarregados de transmitir a angústia nunca expressada melodramaticamente. Sofia é uma representante de uma geração desnorteada, mas, acima de tudo, o indivíduo sofrendo por coisas internalizadas num poço fundo. Cinema que corre riscos.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 7 |
Francisco Carbone | 10 |
Celso Sabadin | 6 |
Alysson Oliveira | 2 |
MÉDIA | 4.5 |
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