Sinopse
Depois de mais de 10 anos de distância, duas irmãs se reencontram e parte numa jornada pelo interior do estado de Minas Gerais atrás da mítica cachaça Saideira, a herança de seu avó.
Crítica
O cinema está repleto de filmes sobre pessoas obrigadas a se (re)conhecerem após um evento trágico. Uma porta se fecha, mas uma janela pode se abrir, como afirma o jargão. Em Saideira, a morte do cachaceiro convicto Honório (Tonico Pereira), logo no começo da trama, praticamente obriga as irmãs Penélope (Luciana Paes) e Joana (Thati Lopes) a novamente se aproximarem depois de mais de 10 anos de distância. A primeira saiu cedo de casa, deixando a calmaria de Paraty para trás a fim de reconstruir a vida na agitada São Paulo. Ela volta como uma cachaçóloga em busca de uma relíquia com notas de mito: a cachaça Saideira. Já a segunda é a garota mais jovem que permaneceu na turística cidade fluminense remoendo a sensação de abandono e a falta de contato com a primogênita de quem era próxima. Então, temos o cenário armado para uma tentativa de reconexão entre as duas desconhecidas ligadas pelo sangue. No entanto, os cineastas Pedro Arantes e Júlio Taubkin utilizam esse modelo conhecido de enredo para construir uma história moralista na qual as personagens têm pouquíssimas nuances e existem apenas de acordo com esse projeto momentâneo de caça ao tesouro que as colocam na estrada para exumar o passado familiar. Moralista porque vai preparando o terreno esquematicamente para as protagonistas serem felizes somente se tomarem certos caminhos e agirem de uma maneira.
A despeito do talento de Luciana Paes e Thati Lopes, ambas as atrizes não soam totalmente à vontade na pele de suas personagens. Luciana parece desconfortável com a tarefa de conter o seu potencial cômico em prol da atitude mais carrancuda de alguém aparentemente forte, mas que tem a sua porção de traumas revividos ao voltar para casa. Thati parece um pouco menos incomodada ao construir cenicamente a menina interiorana que tende a romantizar o ambiente familiar ao ponto de não enxergar que o recém-falecido avô era capaz de ser um grande escroto. Mas esse problema relativo à Penélope e Joana também diz respeito a como elas são concebidas pelo roteiro assinado por Arthur Warren, Júlio Taubkin, Marina Morais e Pedro Arantes. Não sabemos muito sobre essas mulheres obrigadas a cair na estrada, somente temos acesso ao básico para ambas se encaixarem de maneira superficial nos arquétipos colocados em polos antagônicos. Penélope é pragmática; Joana é emocional. Penélope é ambiciosa; Joana é toda coração. Penélope tem muito a aprender sobre empatia; Joana tem muito a aprender sobre malandragem. Mas, por exemplo, não há qualquer informação sobre como as duas existem para além do problema a ser resolvido. Elas têm amores e decepções? Como tendem a reagir diante de determinados obstáculos? Penélope e Joana são cascas com pouca profundidade emocional.
E, por que essa tal de profundidade emocional importa? Por conta da necessidade de valorizar a intimidade construída aos poucos durante o desbravamento das estradas. Fica difícil comprar a ideia de que Penélope está amolecendo, enquanto Joana endurece o suficiente, uma vez que as personalidades delas continuam resumidas a coisas básicas. Há uma distância substancial entre personagens que se expressam por meio de palavras e gestos daqueles que precisam verbalizar tudo o que pensam e sentem. Distinguir isso muitas vezes faz uma diferença enorme quando o assunto é o âmbito emocional. Em Saideira, Luciana Paes e Thati Lopes ganham pouco espaço para enriquecer essas mulheres com atributos implícitos, os não ditos, por exemplo. Poucas vezes elas se revelam por meio de uma ação. Por que Penélope não pode ser encarada como individualista em virtude de seu comportamento egoísta, sem que alguém denuncie essa inclinação por meio de palavras, sem que Joana a repreenda para o espectador compreender todos os sentimentos em jogo? Pedro Arantes e Júlio Taubkin também não aproveitam o tour por regiões brasileiras abundantes de histórias e causos para enriquecer a jornada fraterna. Eles tratam a parada num boteco com a mesma “energia” com a qual retratam a visita a uma cidade de paisagem alterada pela avidez da mineração. E isso trata de esvaziar o filme de significantes.
Não é muito difícil prever como essa trama de reconciliação vai terminar. Porém, a previsibilidade nem seria tão problemática (afinal de contas, não estamos falando de um suspense) se as personagens e as suas respectivas relações com os cenários fossem mais bem desenvolvidas. Claramente procurando um tom leve, mesmo ao tratar de questões graves, Pedro Arantes e Júlio Taubkin colocam um pé na comédia e outro no drama, fazendo um filme que não é engraçado nem sequer sério o bastante. Além disso, o roteiro utiliza uma solução mirabolante para conferir às irmãs o acesso às informações sobre o passado: a epifania repleta de flashes do passado durante uma “viagem” motivada por substâncias alucinógenas. Trata-se de uma maneira um tanto preguiçosa para fazer as protagonistas adquirirem um conhecimento fundamental para o cumprimento da missão conjunta de ligar os pontos do passado para reprogramar o futuro. Em certa medida, Saideira guarda semelhanças com Minha Irmã e Eu (2023), no qual igualmente há duas irmãs forçadas a cair na estrada em busca das histórias familiares que podem recolocar as suas vidas nos eixos (ou provocar mudanças importantes). No entanto, Luciana Paes e Thati Lopes não estão tão entrosadas quanto Ingrid Guimarães e Tatá Werneck. Além disso, o filme de referência se assume como uma comédia pincelada pelo drama, enquanto aqui há a indefinição que ora pende à tristeza, ora à alegria, deixando tudo num terreno indefinido e pouco efetivo.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 4 |
Alysson Oliveira | 3 |
MÉDIA | 1.5 |
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