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Sinopse

A princesa Margrethe é pivô de um escândalo no baile de formatura. Ainda abalada com o acontecimento, ela quer apenas levar uma vida normal, mas para isso terá de enfrentar diversos problemas familiares.

Crítica

Antes uma coadjuvante com jeitão de MÁdrasta de contos de fadas, agora a princesa Margrethe (Elli Rhiannon Müller Osborne) é a protagonista da história. Em Royalteen (2022), a jovem herdeira do trono da Noruega era um dos empecilhos ao desenvolvimento da versão moderna de Cinderela, na qual seu irmão namorava com uma plebeia. Margrethe era vista como a irmã maldosa que não demonstrava simpatia pela cunhada novata, além disso capaz de artimanhas cruéis para atingir os seus objetivos mesquinhos. Ao longo da primeira produção dessa agora saga, a personagem alcançava alguma redenção próximo ao encerramento, especialmente porque era compreendida como uma menina solitária cheia de dificuldades para lidar com pressões sociais inerentes à família real. Em Royalteen: Princesa Margrethe ela se torna o centro das atenções. Tudo começa com o vislumbre de uma situação potencialmente dramática. Depois de abusar de álcool e drogas, Margrethe vai parar no hospital e, a partir daí, fica à mercê dos comentários desdenhosos dos colegas e da opinião pública. A primeira fragilidade da abordagem está na falta de atenção à construção desse ambiente hostil. Quando muito há algumas cenas de colegas rindo por suas costas, nada que justifique o inferno pessoal que a nobre experimenta. A discrepância de percepções até poderia ser justificada pela instabilidade mental dessa garota.

Como o foco principal de Royalteen: Princesa Margrethe é a discussão sobre a saúde mental de uma adolescente com dificuldades de se expressar, faria sentido, até mesmo como indício dessa condição, a supervalorização da pressão externa. No entanto, a cineasta Ingvild Søderlind não aposta nesse caminho, preferindo a ele insistir na ideia de que sua protagonista está mesmo sendo destroçada por um entorno que dela espera perfeição e exemplos. Uma vez que o rei e a rainha sabiam da ingestão de cocaína na festa, por que ela simplesmente não convocou o aparato real para abafar qualquer possível escândalo proveniente do vazamento do vídeo comprometedor? E a falta de iniciativa de Margrethe não está necessariamente condicionada a certa paralisia diante da crise – o que também seria perfeitamente cabível, se as atenções fossem estritamente às dificuldades da menina. A realizadora evita essa saída, mais em função da necessidade de não criar qualquer barreira entre a protagonista e o espectador. Caso Margrethe fosse vista se beneficiando dos privilégios dos quais é herdeira, talvez a conexão fosse quebrada. Desse modo um tanto artificial e repleto de conveniências, a essência segue sendo enxergar a princesa como uma angustiada pelas incapacidades. A intenção é ótima, mas o esquematismo da abordagem não. O resultado simplifica e assim compromete a discussão.

Outro aspecto que poderia ser mais bem enfatizado por Ingvild Søderlind é a complexidade do termo “herança”, sobretudo quanto à perspectiva da protagonista de Royalteen: Princesa Margrethe. A palavra tende a ser utilizada como algo positivo (afinal de contas, quem não quer herdar bens e coisas?), mas aqui também representa, ao menos, duas transmissões nefastas de pais para filhos: 1) a posição como monarcas, que obriga a certas renúncias e comportamentos; 2) a condição mental da mãe (vítima de ansiedade debilitante), que atua como um agente a mais de pressão à protagonista que intensifica o sofrimento ao se identificar com a mãe doente. Esses recortes estão ali, mas de modo pouco efetivo, pois meros apontamentos sem grandes desenvolvimentos e/ou investigações. O rei que esconde um segredo importante poderia servir como espelho, no quesito da renúncia esperada dos reis e rainhas, mas acaba virando o centro das atenções em um par de cenas que insinuam algo bem pouco elaborado. Já a figura materna, reflexo evidente da ansiedade que acomete Margrethe, oscila mecanicamente entre um estado de letargia (na cena da abertura, a das cortinas e da dificuldade de encarar o sol) e a euforia com a possibilidade de assistir a um filme com seus filhos. Essas mudanças abruptas poderiam ser utilizadas como sintomas? Claro. No entanto, aqui são apenas desvios convenientes e utilitários.

Royalteen: Princesa Margrethe ainda sofre por conta da interpretação um tanto tipificada de Elli Rhiannon Müller Osborne. Recorrendo sempre a um olhar esbugalhado e ao semblante petrificado pela suposta premissa da frieza real, a atriz demonstra dificuldades para injetar autenticidade aos instantes em que o filme pede uma protagonista atravessada por sentimentos complexos e, às vezes, até ambíguos/conflitantes. A fragilidade na elaboração da personagem fica evidente na cena em que a princesa é constrangida por um julgamento errado que a leva a oferecer-se sexualmente ao herdeiro do trono da Dinamarca. Já os protagonistas de Royalteen aparecem somente em poucos momentos, geralmente para representar o ideal de felicidade que Margrethe ainda não conseguiu alcançar – e que será também simbolizada pelo advento de uma paixão. Além disso, há algumas facilidades que soam artificiais demais, vide a presença de todos os colegas no mesmo local das férias das famílias reais da Noruega e da Dinamarca – o que facilita uma circunstância envolvendo ciúmes e decepções. No fim das contas, o longa-metragem norueguês manifesta um discurso pálido para discutir a saúde mental de gente supostamente privilegiada. Como efeito colateral, Ingvild Søderlind reduz a patologia da ansiedade à falta de autoconhecimento, fazendo da mazela a coadjuvante da busca pelo amor.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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