Crítica
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Crítica
Lá pelas tantas, durante o desenrolar dos acontecimentos de Resistência, é possível que o espectador mais antenado se dê conta de já ter visto isso antes. Essa impressão é factível, mas não apenas pela reiteração de velhos clichês. Há mais envolvido. E ainda não que seja de forma assumida, aquele que parece ter sido a maior inspiração para o filme que agora se apresenta é um longa que por durante muito esteve fora do radar, destino que lhe foi relegado por não ter conseguido a repercussão almejada no seu lançamento, mas que com o tempo – e pelas constantes exibições na Sessão da Tarde, ao menos no que se refere ao público brasileiro – acabou por se confirmar como uma peça, se não cultuada por alguns, ao menos de forte caráter nostálgico: O Rapto do Menino Dourado (1986), encomendado sob medida para dar continuidade ao estrelato do até então consagrado Eddie Murphy. Essas intenções, ainda que não tenha se confirmado – melhor dizendo, foi o “início do fim” para o astro, que em suas investidas seguintes só participou de tropeços e continuações, encerrando uma sequência de acertos memoráveis no início dos anos 1980 – também se encontram na obra dirigida por Gareth Edwards. E pelo que se vê em cena, é de se perceber que o resultado de hoje tem tudo para ser similar àquele alcançado por este título-irmão de décadas atrás.
Em ambos, um homem negro é encarregado de garantir a segurança de uma criança oriental apontada como “a última salvação da humanidade”. Se Murphy era suficiente para fazer do seu veículo uma comédia de ação, igual a tantas outras que defendia na época, dessa vez quem assume a rédea das situações e John David Washington – não por acaso, filho de Denzel Washington, detalhe que deixa ainda mais evidente da passagem de bastão – ator comprometido em imprimir ao conjunto uma seriedade nem sempre em sintonia com as escolhas do cineasta no comando. Edwards, também autor do roteiro – escrito em parceria com Chris Weitz, com quem havia trabalhado antes em Rogue One: Uma História Star Wars (2016) – busca a todo custo imprimir ao cenário que desenha uma grandiosidade tanto imagética (muitos efeitos especiais, cidades destruídas, estações espaciais, seres alterados digitalmente) como também de significados (o embate entre o homem e a máquina, por assim dizer). Ao mesmo tempo, porém, não se exime em inserir aqui e ali piadas ou conjunções visuais que acabam soando mais inadequadas e descabidas do úteis ao intuito de agregar a leveza necessária para oferecer ao todo um equilíbrio entre concentração e entretenimento. E sem esse meio termo, a primeira vítima é justamente a narrativa, que se vê afundar em suas próprias ambições.
Num futuro não muito distante, ainda que utópico, a Inteligência Artificial se desenvolveu a tal ponto que a presença do ser humano não é mais necessária na maioria das funções cotidianas. Isso, ao menos, até uma decisão tomada alegadamente sem a influência do homem soltar uma bomba atômica sobre Los Angeles, dizimando boa parte da cidade e afetando o modo como os Estados Unidos encaram essa suposta evolução. O resultado é o banimento da I.A. do Ocidente, como que numa “volta às origens”. Nem todo o mundo aceita de bom grado tal postura, e o continente agora batizado de Nova Ásia (o Oriente, portanto) se torna refúgio destas criações, simbioticamente tão misturadas ao tecido biológico que por vezes se torna difícil, se não mesmo impossível, dissociar um do outro. Estabelece-se, assim, uma dinâmica forçosamente maniqueísta: de um lado, os mocinhos que querem livrar o mundo de uma praga (por eles mesmo criada) capaz de eliminar a humanidade; do outro, os vilões que dão abrigo às forças do mal, ainda que sejam também esses os razoáveis a entender que há mais zonas cinzas entre esses extremos e que, portanto, esse radicalismo não é, necessariamente, o melhor caminho a ser seguido.
O debate proposto, como se percebe, é válido e nutrido de pontos interessantes. É de se lamentar, por outro lado, que Weitz e, principalmente, Edwards (pela função dupla de desempenha), não estejam estimulados o bastante para desenvolver o quadro por eles mesmo desenhado, dando-se por satisfeitos em apenas expor tais ideias, sem percorrê-las com a intensidade que as mesmas provocam. O tal “criador” do batismo original seria o responsável por ter dado início a essa revolução robótica e, por isso mesmo, o único capaz de reverter tal tendência de extermínio direcionado aos homens. Uma vez isso dito, insere-se sem rodeios a presença militar – comandada por uma monotemática Allison Janney – a partir do uso de um oficial infiltrado (Washington, aquém das exigências do personagem) que, não tardará, fará o percurso de um lado ao outro uma vez que a ele fique claro o que, de fato, está em jogo: o respeito ao diferente, e não a submissão dos demais aos que se mostram mais fortes. Chega a ser curioso um filme financiado por Hollywood – ou seja, norte-americano – se esforçar tanto para defender um viés que, em última instância, tem inspiração no modelo pacifista, para tanto percorrendo estereótipos como monges budistas iluminados e soldados caucasianos descerebrados.
Sem saber ao certo o que busca com o conjunto que se esforça em colocar em pé, o diretor faz de Resistência (o título nacional não poderia ser mais genérico) uma obra anacrônica, que contradiz nas ações a mensagem que aparenta defender, como se essa existisse apenas para soar bonito frente a um modelo contemporâneo, fazendo emprego de elementos que não mais parecem encontrar ressonância nos debates modernos. Combinando referências que vão de Lua de Papel (1973) a Blade Runner: O Caçador de Andróides (1982), passando, obviamente, por A.I.: Inteligência Artificial (2001), Gareth Edwards demonstra ter um olhar apurado em identificar esses pontos de ruptura, ao mesmo tempo em que revela inabilidade em fazer uso dos mesmos em nome de uma narrativa original e própria. Assim, sem conseguir assumir como seu um discurso que torna evidente suas influências, tudo o que alcance é um pastiche descaracterizado de uma aventura que talvez até tivesse funcionado algumas décadas atrás, mas que hoje, ainda que vitaminada por frases de efeito e um design de impacto, tudo o que consegue é enfado e previsibilidade.
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