Crítica
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Sinopse
Crítica
O recurso não é necessariamente original, mas é inegável seu potencial de surpreender. A opção por se apropriar de um coadjuvante e adotar o ponto de vista dele para oferecer um novo olhar a uma figura clássica pode gerar resultados interessantes, desde que, claro, algumas diretrizes sejam respeitadas. A mais importante, e que exige atenção, é não se afastar demais da narrativa original. Mais ou menos o que Ryan Murphy fez em Ratched (2020), que não apenas ignora o verdadeiro protagonista de Um Estranho no Ninho (1975), como faz uso dos personagens criados por Ken Kesey apenas como ponto de partida, deturpando seus históricos e motivações. Caminho diferente do trilhado por Tom Stoppard em Rosencratz & Guilderstein Estão Mortos (1990), que se ocupa não apenas em recontar o clássico Hamlet, como o faz a partir das percepções de dois tipos quase irrelevantes, e é justamente essa condição, reconhecida através de uma engenhosa metalinguagem, que renova o vigor do texto de Shakespeare. Renfield: Dando o Sangue pelo Chefe não chega a ser tão ambicioso, ao mesmo tempo em que não se livra por completo das amarras de onde surgiu. Assim, fica no meio do caminho, reciclando sem muita inspiração velhos conceitos, enquanto abusa de certas válvulas de escape sempre que lhe é permitido. Enfim, em mais de um momento ameaça ser memorável, mas não passa disso.
Robert Montague Renfield não chega a ser um dos condutores da trama de Drácula, obra imortal de Bram Stoker. Em uma das versões mais bem-sucedidas levadas às telas – Drácula de Bram Stoker (1992), de Francis Ford Coppola – são vários os que despertam a curiosidade do espectador, seja o jovem Jonathan Harker (Keanu Reeves), o caçador de vampiro Van Helsing (Anthony Hopkins) e, claro, o próprio conde (Gary Oldman). Renfield, no entanto, aparece apenas quando os eventos já estão em andamento, e na pele do cantor Tom Waits, como um ser atormentado que sofre por um dia ter dado ouvidos ao monstro bebedor de sangue, que terminou por se alojar em sua mente e, desde então, não mais lhe dá sossego. No filme de Chris McKay (que vem do turbulento A Guerra do Amanhã, 2021, aventura que prometia muito e entregou pouco), o personagem-título mais uma vez surge como servo do Lorde das Trevas, porém sob uma construção mais contemporânea: após passar séculos de servidão, os dois agora se encontram nos dias de hoje, enfrentando o drama de sempre: um precisa de vítimas, enquanto ao outro é dada a missão de levá-las até o seu senhor.
Cansado dessa vida que mortes e perseguição, Renfield recorre a um tipo de socorro bastante convencional, por mais que seus problemas não sejam nem um pouco ordinários: um grupo de apoio. Um encontro aos moldes dos Alcóolicos Anônimos, porém voltado aos que sofrem de outro tipo de abuso: relacionamentos tóxicos. E enquanto uns reclamam de namorados ciumentos e outros apontam familiares excessivamente exigentes, o rapaz, quando decide se abrir, tem queixas apenas relacionadas ao patrão que não lhe dá folga, ao mesmo tempo em que exige as tarefas mais absurdas (ah, se eles soubessem). A premissa, como se vê, é curiosa. Afinal, parte de uma situação familiar para introduzir um elemento, no mínimo, inesperado. Falta, no entanto, aos roteiristas Ryan Ridley (Rick e Morty, 2013-2017) e Robert Kirkman (The Walking Dead, 2010-2022) coragem para radicalizar o conceito que decidem explorar. E assim, o que poderia ser revolucionário, se mostra quase acanhado, permitindo uma “saída de emergência” para qualquer solução mais drástica (o sangue de vampiro capaz de ressuscitar mortos é um ex machina totalmente desnecessário). É como se dissessem: “vamos provocar, mas antes aqui está uma rede de segurança, capaz de servir como desculpa para qualquer eventualidade”.
Tanto é que uma análise detalhada irá revelar que nem Renfield, muito menos Drácula, são os verdadeiros responsáveis por essa história. Se um pouco faz além de lamentar o destino que escolheu para si, enquanto o outro busca recuperar suas forças (após um golpe mal planejado) para seguir na mesma trilha de sempre, estará na policial Rebecca Quincy a força capaz de colocar estes elementos em ação. Em uma cidade tomada pela corrupção, todos temem Los Lobos, uma família de mafiosos liderada sem piedade por Bellafrancesca (Shohreh Aghdashloo, indicada ao Oscar por Casa de Areia e Névoa, 2003). Porém, é o filho dela, o imprevisível e fraco Ted (Ben Schwartz, mais conhecido como a voz original do ouriço azul em Sonic: O Filme, 2020), sua maior dor de cabeça. Desrespeitado por outros traficantes, volta e meia acaba atrás das grades, apenas para ser liberado por advogados a mando da mãe. Decidida a por fim a esse império criminoso, mesmo que indo contra todos os seus colegas (na maior parte, corruptos), Rebecca acabará se deparando com um rastro de sangue deixado por alguém que ela acredita ser um serial killer que tem eliminado incautos por décadas. Mal ela sabe que se trata do pobre Renfield, já cansado de tanta matança.
Se Nicholas Hoult, como Renfield, se aproxima do visual perturbador por ele mesmo visitado em filmes como Meu Namorado é um Zumbi (2013) e Mad Max: Estrada da Fúria (2015), mostrando-se frágil quando necessário e feroz quando lhe é exigido – seu desempenho nas sequências mais violentas é impressionante – e Awkwafina, como a policial à frente da investigação, repete os mesmos cacoetes tão bem conhecidos por seus admiradores, está no evidente deleite de Nicolas Cage como Drácula o grande mérito dessa produção. Após ter transformado sua brilhante carreira em uma piada devido a escolhas bastante duvidosas feitas na última década, a decisão em assumir esse humor revelou-se um passo inteligente, como visto no recente O Peso do Talento (2022). Em Renfield: Dando o Sangue pelo Chefe ele mais uma vez se mostra disposto a rir de si mesmo, e o faz com destreza, destilando terror em dentes afiados entre corpos desmembrados e piruetas proporcionadas pelos efeitos visuais. Se tivesse mais Cage e menos Hoult e Awkwafina, talvez o conjunto se saísse melhor. Mas a necessidade de armar um final feliz – e convencional – termina por enterrar as expectativas mais ousadas. Divertido, sim. Assim como de rápido descarte.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 5 |
Edu Fernandes | 6 |
Alysson Oliveira | 3 |
Ticiano Osorio | 4 |
Carissa Vieira | 6 |
Leonardo Ribeiro | 5 |
MÉDIA | 4.8 |
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