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O título em português é enganador, para dizer o mínimo. Lançado como Possuídos, em 2006, parecia ter a intenção de levar o espectador menos atento a pensar que William Friedkin, diretor responsável pelo clássico O Exorcista (1973), estava voltando à temática que rendeu um dos filmes mais assustadores de todos os tempos. Mas não se engane. Como provou durante toda sua carreira, o diretor norte-americano nunca quis se repetir. Portanto, neste longa-metragem estrelado por Ashley Judd e Michael Shannon, com roteiro baseado na peça de Tracy Letts, não existem possessões do mal em cena. Existem bichos (Bugs, como no título original) que infernizam a vida do ex-militar Peter (Shannon). Agora, se eles são reais ou imaginários, isso é outra questão. E para quem conhece os trabalhos de Letts – que adapta a sua própria peça para o cinema – pode ter certeza de que os personagens excêntricos do escritor são presença garantida neste filme.

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Na trama, a garçonete Agnes (Judd) está passando por maus bocados ao saber que seu ex-marido, o condenado Jerry Goss (Harry Connick Jr.), está saindo em condicional antes do tempo. Ele é violento, abusivo e nunca perdoou sua ex por um descuido com o filho do casal. Quando a vida parecia estar de mal a pior, Agnes conhece o ensimesmado Peter, um misterioso homem que não tem onde morar. Ela o acolhe em seu lar – o quarto de um motel barato – e logo engata uma relação com ele. Depois da primeira transa do casal, Peter acorda afoito, reclamando de um inseto que o teria picado em seu sono. Esse é só o começo de uma verdadeira obsessão a respeito desses “bichos” que simplesmente infestam aquele recinto. Ou seria apenas obra da imaginação daquele homem?

A grande força de Possuídos está no casal principal, interpretado com muita força por Ashley Judd e Michael Shannon. O último, inclusive, chegou a viver o personagem Peter no teatro e, dois anos antes de ser indicado ao Oscar por Foi Apenas um Sonho (2008), já chamava a atenção por sua intensa performance como um homem obcecado, claramente doente. Já Judd tem um arco ainda mais interessante, visto que sua sanidade vai desaparecendo ao passo que a presença de Peter cresce naquele local. Ela começa a usar até expressões que seu companheiro de quarto havia usado anteriormente, sem perceber a incrível influência dele em sua vida. Só dois atores tão bons para segurarem um filme que tem seus problemas. Alguns diálogos são bem ruins e não fossem dois intérpretes tão interessantes, o resultado seria catastrófico. É difícil, no entanto, não sentir vergonha alheia ao ouvir Judd gritar “I am the super mother bug”. Mas, de resto, o casal principal segura bem a história.

Conhecido por seus personagens excêntricos, falhos, Tracy Letts constrói uma trama que passeia pelo onírico, mas tem sua real força quando é mais calcada na realidade. É lógico que os bichos que povoam a mente de Peter são alegorias de seus receios e problemas, os mesmos aparecendo para Agnes de forma sugestiva. O terceiro ato descamba para uma espiral de paranoia e loucura que embora tenha seus momentos, empalidece frente ao clima de drama doméstico que se apresentava no início do filme. Isso, no entanto, parece não ter incomodado os críticos da FIPRESCI, que deram para William Friedkin o prêmio da Semana dos Realizadores no Festival de Cannes.

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Como estamos falando de um cineasta deste calibre, não temos aqui um teatro filmado. Vemos basicamente um set apenas – com raras exceções – e a dupla de atores dominando aquele espaço como intensidade. O diretor deixa os atores à vontade para criarem e, como praxe para seus filmes, captura o menor número de tomadas possível. Para Friedkin, o importante é a espontaneidade, algo que é alcançado com pouquíssimas repetições. Esse estilo transforma Possuídos em algo mais fresco do que um drama/thriller ordinário. Acaba compensando suas imperfeições e problemas, certamente.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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