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Sinopse

Boston é marcada por uma verdadeira guerra entre a polícia e o crime organizado. Um jovem policial recebe a missão de se infiltrar na máfia, aos poucos conquistando a confiança do chefe. Concomitantemente, um criminoso é infiltrado na polícia, servindo como informante do manda-chuva do crime. A vida dupla aflige ambos, pois eles correm perigo diariamente.

Crítica

Jogo de gato e rato no qual os ratos se sobressaem, Os Infiltrados representou a Martin Scorsese o seu primeiro Oscar. Como diretor, o cineasta já havia sido indicado pelos excepcionais trabalhos em Touro Indomável (1980), A Última Tentação de Cristo (1988), Os Bons Companheiros (1990), Gangues de Nova York (2002) e O Aviador (2004). Mas parecia que a Academia simplesmente se recusava a premiar um de seus grandes – como já havia errado anteriormente com Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick e tantos outros. Muitos apontaram que o Oscar teria chegado no momento errado, visto que – e isso é bastante discutível – os filmes anteriores seriam melhores do que Os Infiltrados. De qualquer forma, Scorsese recebeu a estatueta por um trabalho visceral, um thriller imprevisível que coloca os astros Leonardo DiCaprio e Matt Damon em rota de colisão em um mundo onde as aparências sempre enganam.

Remake de Conflitos Internos (2002), produção de Hong Kong assinada por Wai-Keung Lau e Alan Mak, Os Infiltrados tem roteiro de William Monagham e conta a história de dois homens divididos. O primeiro, Colin Sullivan (Damon), é um policial ambicioso que logo sobe os degraus do sucesso na corporação. Seu jeito extrovertido e confiante esconde alguns segredos bem guardados. O maior deles: é apadrinhado pelo gangster irlandês Frank Costello (Jack Nicholson), homem conhecido por sujar as mãos em diversos atos ilícitos; O segundo, Bill Costigan (DiCaprio), é um rapaz de origem humilde que consegue se formar com custo na academia de polícia. Os chefões de seu departamento, no entanto, tem planos diferentes para ele. Em vez de vestir o uniforme azul, o rapaz deverá se infiltrar na gangue de Costello e desbaratar as operações do mafioso. Para isso, um tempo na cadeia e o total desligamento com seu passado é necessário. Apenas os agentes Queenan (Martin Sheen) e Dignam (Mark Wahlberg) sabem que Costigan é um policial. E este cuidado dos dois agentes se mostra crucial quando se descobre que existe um rato dentro da polícia.

Martin Scorsese consegue tecer uma trama que muda o foco principal a todo momento: ora em Sullivan, ora em Costigan. E isso nunca se mostra um problema devido ao trabalho esplêndido da colaboradora habitual do cineasta, Thelma Schoonmacher, em dar sentido a todas as idas e vindas da narrativa. O roteiro é igualmente hábil em nos deixar engendrados na teia proposta, nunca antecipando os próximos movimentos dos personagens centrais.

Se já não bastasse ser um contador de histórias talentosíssimo, Scorsese tem mão boa na hora de escalar seu elenco. Ter Matt Damon e Leonardo DiCaprio como protagonistas é certeza de um trabalho de qualidade. Damon começou a chamar a atenção com Gênio Indomável (1997) alguns anos antes, e se firmou como um ator de escolhas arrojadas e imprevisíveis, chegando ao cúmulo de ter, num curto espaço de tempo, estrelado filmes tão diversos quanto A Supremacia Bourne (2004), Syriana: A Indústria do Petróleo (2005) e a trilogia “Vários Homens e alguns Segredos” (2001, 2004 e 2007). Leonardo DiCaprio, por sua vez, conseguiu aprimorar suas escolhas e desde que começou sua parceria com Scorsese, tem dado provas de que é um excelente ator (mais recentemente, deu a performance de sua vida em O Lobo de Wall Street, 2013).

Em Os Infiltrados, os dois atores dividem a tela por pouco tempo, mas quando são protagonistas de suas próprias tramas, atuando com Jack Nicholson, Alec Baldwin e Martin Sheen, conseguem marcar seu território. Matt Damon escolhe dar a Colin Sullivan uma arrogância e presunção que pode até ser vista como um reflexo de sua posição no trabalho. No entanto, quando está sozinho com sua namorada, a bela psicóloga Madolyn (Vera Farmiga), sua confiança o trai. Foi ideia do ator fazer com que seu personagem fosse impotente, dando uma dimensão interessante a um homem que se especializou em mentir e que utiliza de suas máscaras para vencer na vida. Já DiCaprio capricha no tormento para construir seu Costigan, por vezes emulando o estilo de fala de Robert De Niro, antigo parceiro habitual de Scorsese. Sempre preocupado, carregando o mundo nas costas, Costigan é o típico herói que se dá mal através das circunstâncias. Tenta fazer o bem, mas não consegue vencer o mundo podre à sua volta.

Mark Wahlberg foi o único do elenco indicado ao Oscar – e isso explica-se pela vontade dos atores principais não competirem entre si, deixando a Warner de mãos atadas na hora da campanha para o prêmio. Seu personagem, o desbocado Dignam, é um dos poucos que tem uma bússola moral. Ainda que não aparente ser um sujeito legal, Dignam pode vir a ser o seu melhor amigo, dada a sua força de caráter. Por outro lado, o mafioso interpretado por Jack Nicholson (em uma divertida e inusitada performance) é o exemplo do velho poder. Uma figura que não necessita mais do dinheiro que ganha ilegalmente, muito menos do estresse que seu “trabalho” lhe traz. Mas simplesmente não consegue largar o osso. Não consegue deixar de ser uma figura ameaçadora. Basicamente, não sabe fazer outra coisa a não ser intimidar.

Como de praxe nos trabalhos de Scorsese, a trilha sonora roqueira é destaque, com canções de Rolling Stones, John Lennon, Beach Boys, Roger Waters e Dropkick Murphys, que assina a canção de abertura, a bombástica “I’m Shipping up to Boston”. A cidade americana, inclusive, serve de cenário para o filme e é praticamente um personagem. Sem a máfia de Boston e sua comunidade de ascendência irlandesa, Os Infiltrados não seria o filme que é. Sangrento e violento como um thriller de Martin Scorsese deve ser, o longa-metragem que deu ao cineasta seu primeiro (e até agora único) Oscar é uma produção com todos os predicados possíveis para uma conferida de perto. Quem é fã do diretor ou apenas admirador de uma história bem contada, certamente sairá satisfeito.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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