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Sinopse

Howard Hughes é um herdeiro milionário que passa a investir em Hollywood e na sua obsessão pela aviação. Apesar de aparentemente ter o mundo a seus pés, fobias paralisantes tornam seu cotidiano conturbado e caótico.

Crítica

Imagine um filme chamado O Aviador, contando a história do milionário metido à cineasta e empresário da aviação Howard Hughes. Mas pense em Jim Carrey como o protagonista, e nos papéis das suas principais amantes – as estrelas Katharine Hepburn e Ava Gardner – as igualmente estelares Nicole Kidman e Gwyneth Paltrow. E, pra finalizar, pense em Michael Mann como o homem por trás das câmeras – ele mesmo, o homem que nos trouxe filmes tensos e profundos como O Informante (1999) e Ali (2001). Isso pode até parecer um mero exercício de imaginação, mas na verdade foi uma forte possibilidade. Este destino foi evitado quando Martin Scorsese assumiu como diretor do projeto, já que Mann, após duas cineobiografias, queria “descansar” e realizar algo mais leve – Colateral (2004) foi a escolha nada óbvia. Com certeza o filme que não existiu seria memorável – mas duvido que com a mesma força e intensidade do atual. E sabe por quê? Uma palavra: Scorsese.

Um dos maiores nomes do cinema mundial ainda em atividade, Scorsese entrega aqui um dos seus melhores trabalhos. O Aviador é não só um verdadeiro espetáculo para todos os sentidos, como também um interessante e muito bem estruturado estudo sobre a mente humana. Como personagem principal tem-se Hughes, um homem que também marcou sua época, ao seu modo. Ele dirigiu a produção mais cara de todos os tempos até aquele momento (Anjos do Inferno, de 1930 e com Jean Harlow como protagonista), namorou as mais cobiçadas atrizes de Hollywood (Hepburn, Gardner, Harlow), desenhou aviões até então impensáveis e teve tempo ainda para elaborar o sutiã meia-taça. Essa imensa genialidade, curiosamente – e também grande atrativo do filme – convivia ao lado de uma mente perturbada, que gradualmente foi sendo dominada pelo TOC (transtorno obsessivo compulsivo). Presenciar esse homem, responsável por diversas – e fantásticas – proezas, sendo derrotado pelo seu pior inimigo – ele próprio – é uma batalha devastadora que abala a todos de igual maneira, dos mais crédulos até o mais insensível dos espectadores.

Scorsese é o principal responsável pela eficiência de O Aviador, mas não é o único. Não importa o quesito abordado, os resultados são todos magistrais. Na atuação, tem-se um elenco liderado por um Leonardo DiCaprio, que atinge sua maturidade enquanto ator, longe do ídolo juvenil consagrado em Titanic (1997). Ele consegue imprimir com sutileza e muita competência todas as nuances de seu personagem, livrando-o de qualquer estereótipo, seja o gênio incompreendido ou o louco maníaco. Cate Blanchett é um fenômeno, pois literalmente incorpora Kate Hepburn. Está tudo lá: os trejeitos, o modo de falar, de ver, de agir. Ela não atua – ela vive! Kate Beckinsale consegue seu melhor momento como uma Ava Gardner intensa, glamourosa e independente, correspondendo à altura das expectativas. Alan Alda, Alec Baldwin, John C. Reilly e Ian Holm são outros nomes de peso que vêm conferir um ainda maior perfeccionismo à história narrada, que conta ainda com as participações especiais de astros como Jude Law, Willen Dafoe e até Gwen Stefani (vocalista da banda No Doubt, em sua estreia no cinema), entre outros.

Os aspectos técnicos de O Aviador são também um deslumbre: uma perfeita recriação de época, que revive o período de ouro de Hollywood, com uma direção de arte esmerada, um figurino impressionante e uma fotografia estudada. Os efeitos especiais representam um caso à parte, proporcionando cenas de deixar qualquer um de queixo caído (a sequência do acidente de avião permanece vívida na memória do espectador mesmo após o término da sessão). Mas nada disso seria válido se não fosse o roteiro altamente elaborado de John Logan, autor do recente - e igualmente impressionante – 007 – Operação Skyfall (2012). O trabalho do roteirista, combinado com a técnica de Scorsese, nos possibilita entrar na mente de um homem que não conseguia compreender a si mesmo, numa luta feroz que ao mesmo tempo assombra e conquista.

O Aviador recebeu 11 indicações ao Oscar, tendo levado 5 estatuetas (o mais premiado daquela noite), entre elas a de Atriz Coadjuvante (Blanchett). No entanto, é consenso de que teria merecido mais. Filme, Ator e Roteiro Adaptado, no mínimo. Isso sem mencionar o absurdo que foi Scorsese ter sido mais uma ver preterido. Mas tudo bem, águas passadas não movem moinhos, como diz o ditado. A resposta do cineasta ítalo-americano está em cena, para quem quiser ver e for capaz de sentir. O que ele apresenta aqui é cinema puro e grandioso, mas é também uma verdadeira aula: de vida, de genialidade e de sabedoria.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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