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Sinopse

Um homem está tentando manipular o pai a fim de sanar suas dívidas. Tentando intermediar a venda da funerária de sua família, ele acaba libertando um espírito maligno cujo alvo predileto passa a ser a sua esposa grávida.

Crítica

A intenção é provocar. Não há muito mistério quanto à abordagem do diretor Oliver Park nesse seu Oferenda ao Demônio. Logo na abertura, um prólogo repleto de jump scares (ou seja, aqueles cortes de imagem e trilha sonora feitos especificamente para provocar uma reação imediata na plateia) indica uma ameaça por demais assustadora se aproximando de uma comunidade judaica no coração de Nova York. A ponto, veja só, de um antigo rabino acabar cedendo em suas tentativas de se proteger – seja por reconhecer suas fragilidades, ou talvez pelo que imagina receber em troca ser uma tentação alta demais para recusar. O que fica claro é que o perigo é real, por mais que fruto de uma contradição: está se falando de crenças e lendas, fantasmas sobrenaturais e tradições milenares sendo quebradas em nome de um desespero individual. Quantos serão afetados nesse processo, bom, é sobre isso que o filme irá tratar. Mas o curioso é que, por mais que se ocupe em trilhar caminhos há muito conhecidos, há um viés inquieto em sua condução, uma bem-vinda ousadia capaz de retirar o resultado da vala de lugares-comuns a qual tantas produções similares acabam destinadas.

Arthur (Nick Blood, de Euphoria, 2019-2022) e Claire (Emily Wiseman, de A Maldição da Casa Winchester, 2018) possuem uma árdua tarefa pela frente: reencontrar – e restabelecer a paz – com o pai dele (e sogro dela). Acontece que, por maior que seja o receio do casal, pelo muito que foi dito no passado e pela alegada reação que esperam agora (um desprezo por parte do velho senhor pelo fato dela não ser judia como eles), o que se vê em cena a partir do momento em que adentram na casa é algo mais pacífico do que se poderia imaginar. Saul (Allan Corduner, visto há pouco em Tár, 2022) tem outros arrependimentos com os quais se preocupar, além de perdas que se somaram ao seu caminho. Assim, recebe o filho único de braços abertos. E o mesmo tratamento é dirigido à nora, ainda mais por ela ter um presente a ele: uma neta que começa a dar os primeiros sinais na barriga da mãe. Uma mulher grávida em uma casa sombria em um filme de terror? Não precisa muito para identificar a referência a O Bebê de Rosemary (1968). O acerto, no entanto, está em não ir além desse aceno inicial. Sim, presta-se reverência ao clássico, mas dele não se mostra vítima.

Essa busca por personalidade logo irá se deparar com alguns tropeços, principalmente nas exigências dramáticas que estarão sob responsabilidade dos dois protagonistas. Tanto Blood quanto Wiseman são figuras genéricas, vistas geralmente compondo o elenco de produções que até podem, eventualmente, gerar algum tipo de repercussão, mas nunca pelo que deles se obtém. Aqui, no entanto, está (quase) tudo sobre os ombros deles – o homem com uma agenda particular, a mulher que desconhece as reais intenções do marido – e a maneira como acabarão lidando com os desafios que encontrarão a partir do momento em que entram em contato com o que por ali está se passando não desanda de vez pela mão firme do diretor e por um roteiro hábil em alternar momentos que ficam a um passo do deslize com outros que se ocupam de ambientes diversos, gerando uma dinâmica renovada e evitando se apoiar por demasiado nesses que não muito tem como contribuir.

Oliver Park é um realizador relativamente novo (esse é o seu segundo longa-metragem), mas com longa experiência como ator (seus primeiros créditos são de 2005). Essa proximidade com o ofício deve ter lhe servido para identificar não apenas o que estava funcionando, mas também para não investir em terreno árido. Assim, aproveita-se da história de Jonathan Yunger (produtor de Rambo: Até o Fim, 2019) e do roteiro do novato Hank Hoffman para investir também no aspecto imagético, apostando no potencial das sombras e no jogo de luzes na busca por um visual à altura do que aqui se persegue. Quando o espectro dessa figura que atravessa gerações ressurge determinada a cobrar uma dívida, restará ao casal não só abandonar seus conflitos mundanos, como também reforçar a ligação que os permitiu chegar até o ponto onde agora se encontram. A motivação pode soar básica, mas é justamente na base onde as estruturas devem se mostrar sólidas. Eis o que aqui se identifica: um reforço naquilo que se espera como ponto de partida para que, dali em diante, se possa ousar em um desfecho que vá além do previsível.

Ir de encontro ao que a maioria espera pode ser fácil, mas também por demais confortável. É nesse viés que Oferenda ao Demônio revela coragem, ao quebrar expectativas e se autorizar a buscar um final, se não feliz, ao menos distante do clichês frequentes ao gênero. Não que chegue ao ponto de se mostrar original ou mesmo inovador, mas a disposição de assumir riscos é suficiente para escapar de um ostracismo aniquilador. São elementos que chamam atenção e evitam uma superficialidade que escolhas apressadas – ou fruto de limitações de orçamento –até então anunciavam. Se o contexto religioso e a própria manifestação do mal através de figura de fácil reconhecimento mereciam um estudo mais detalhado, por outro lado se percebe uma vontade de fugir do óbvio e evitar meras repetições. Pode parecer pouco, mas quando o cenário se mostra tão carente, qualquer ânimo em direção oposta é o bastante para que um suspiro de alívio se manifeste.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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