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Sinopse

Uma jovem grávida se muda para um apartamento novo na companhia de seu marido. O clima vai se tornando sufocante à medida que ela começa a duvidar da própria sanidade quando imagina-se vítima de um plano do diabo.

Crítica

O público contemporâneo, na maioria das vezes, se encontra refém de fórmulas de entretenimento vazio. Os filmes de terror baratos que pululam aos montes nos circuitos comerciais comprovam isso. Dotados apenas de uma série de sustos óbvios e tramas rasas, tipificam assertivamente o padrão de pensamento vigente. O instantâneo e o fugaz são guias para a apreciação de qualquer objeto. Qualquer viagem ao subjetivismo e ao aprofundamento filosófico é vista com maus olhos. É o susto e o estímulo causado por ele que contam. Entretanto, nem sempre foi assim. Ao contrário do terror físico, tão explorado na história do cinema, o terror psicológico, tão mal utilizado hoje em dia, tem exemplares que deixam no chinelo a grande parte de seus concorrentes. É o caso de O Bebê de Rosemary (1968), assinado pelo genial Roman Polanski.

Na sua estreia em Hollywood, o polonês Polanski dispôs de total liberdade para expressar seu ponto de vista sobre a obra literária de Ira Levin, base da adaptação. A história nos apresenta Rosemary (a excelente Mia Farrow) e seu marido Guy (John Cassavettes), ela uma solícita e bem intencionada dona de casa e ele um ator em ascensão, recém-instalados num novo apartamento em Nova York. Apaixonada, Rosemary confia plenamente em seu marido. Colocar em xeque suas atitudes nunca lhe passou pela cabeça. Tudo que ele faz se baseia na intenção de vê-la feliz, inclusive dar abertura para que o casal de vizinhos idosos Roman (Sidney Blackmer) e Minnie (perfeitamente interpretada por Ruth Gordon) invada por completo sua vida. Essa simples mudança de rotina dá início aos desdobramentos assustadores que a trama passara a ter. Depois de um terrível pesadelo com uma criatura demoníaca, Rosemary descobre que está grávida. O que devia ser uma notícia alegre se torna a matriz do desespero no qual a protagonista se encontrará gradativamente. Primeiro porque os devaneios lhe trazem a ideia de que está grávida do filho do diabo. Segundo porque seu marido e vizinhos podem estar envolvidos nessa possível trama macabra.

Sem pressa, Polanski constrói uma narrativa extremamente bem elaborada e amarrada, na qual todos os personagens ganham aprofundamento - na medida do necessário, já que o suspense por trás da identidade de algumas personas é deveras necessário - e relevância, sem nunca fugir do foco central: a gestação de Rosemary e o impacto disso. A presença do casal vizinho fica mais frequente ao passo que o marido se distancia por ganhar espaço no cenário artístico de Nova York, e Rosemary, por sua vez, vai se perdendo dentro de indagações. Quem realmente são essas pessoas? O que aconteceu com o homem que ela amava? Por que o bebê se tornou alvo de quase um culto dos moradores do prédio? E, assim, ela vai entrando num estado paranoico que confunde inconscientemente o espectador. A narrativa, por um lado, sugere abertamente a origem do que está em seu ventre, mas por outro o comportamento e a interação dela com os demais suscitam a dúvida. E isso é um dos maiores trunfos de Polanski: a dúvida que permeia todo o filme. É ela que faz dessa produção um dos melhores exemplares do gênero.

Você não sabe o que esperar. A sensação que antecede o susto inicia em um determinado instante e simplesmente perdura. Em cada centímetro do edifício - onde a maior parte da história se desenvolve - a impressão é que você será surpreendido por algo, a qualquer momento. Só que isso não acontece. É um excelente paralelo com a gravidez da protagonista. O pânico de ser mãe se funde com o medo transmitido ao espectador. Enquanto a criança cresce em seu útero, o terror cresce no público. Quando ela já não aguenta mais as dores de um processo que não acaba nunca, quem assiste ao filme não aguenta mais a dolorosa tensão causada pelas incertezas constantes propostas por Polanski. Você quer saber com o que ela está lidando, mas o diretor lhe traz para dentro do apartamento e o faz passar pelo medo de Rosemary. Medo não de uma criatura, de um espirito ou de um assassino como o gênero entediante nos propõe a cada ano. Mas sim o temor de não saber o que lhe aguarda. Existe algo mais assustador do que as incertezas do futuro?

Polanski consegue se aprofundar ainda mais em temas intelectualmente relevantes, fazendo do filme uma obra artística completa. Ao retratar o feliz casal de protagonistas do começo do filme e enfraquecer seu relacionamento com as mentiras contadas e os abusos cometidos, há a clara intensão de desconstruir a ideia tão popular do "sonho americano". A desmistificação desse padrão é aplicada muito bem através da inserção de elementos ocultistas, como bruxaria e satanismo, dentro do ambiente superficialmente pintado como belo da família estadunidense. Da mesma forma que, politicamente, o roteiro ainda encontra espaço para dialogar com um tema tão em alta na década de 1960: os direitos da mulher. Jogada de um lado para o outro, arrastada pelo marido e pela vizinha, Rosemary muitas vezes se vê refém da vontade alheia, além de ter seu propósito existencial reduzido a apenas um objetivo: a maternidade. Entretanto, há a superação dessa metafórica opressão na surpreendente conclusão da história.

Sem duvidar da capacidade intelectual do público, Polanski entrega um produto desafiador e aterrorizante como poucas vezes vimos antes ou depois. Provavelmente você não ficará com o receio de ir a algum lugar escuro depois de assistir ao filme, mas com certeza ficará em estado de tensão por conta da assustadora e claustrofóbica sensação de perigo constante e iminente que a trama desperta. O Bebê de Rosemary é um dos melhores exemplos de como um filme pode representar, transgredir e se sobressair a um gênero restrito. É uma obra de arte plena e impecável, que ainda conta com uma gama de circunstâncias periféricas curiosas (a esposa do diretor ser assassinada, grávida de oito meses, pelo líder de uma seita ocultista, por exemplo) que fortalecem sua mística aterradora. Com certeza é um dos marcos do cinema hollywoodiano.

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Eduardo Dorneles é estudante de letras, amante de cinema, literatura, HQs e mantém um blog de crônicas e contos (edorneles.blogspot.com) .
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