Crítica


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Sinopse

Uma disputa ferrenha entre quadrilhas extremamente perigosas pela receita perfeita de salada de ovos.

Crítica

O que Há, Tigresa? na verdade é Kagi no Kag (1965), filme de espionagem japonês, só que com o áudio original suprimido para dar lugar às novas falas reescritas e dubladas em inglês. Assim, o novo roteiro transforma o longa-metragem em uma comédia escrachada, mudando radicalmente sua trama. E o resultado é estranhamente divertido, ainda mais quando o renomado diretor e roteirista Woody Allen surge na tela para nos apresentar a ideia, neste que é o seu primeiríssimo filme, ainda que não seja totalmente seu.

De qualquer forma, é possível encontrar traços do humor característico de Allen desde então, principalmente do tipo que permeia seus primeiros filmes, como Um Assaltante Bem Trapalhão (1969), Bananas (1971) e O Dorminhoco (1973), todos repletos de um subtexto crítico. A sensação de descompromisso já surge com a apresentação da ideia, e a partir daí é fácil rir com as inserções propostas pelo cineasta, elas que de uma forma geral também alfinetam – ou mais do que isso – o trabalho pedestre feito pelas produtoras americanas ao trazer filmes estrangeiros para o país. Não por acaso o novo texto tem homens agindo de maneira misógina, xingamentos xenofóbicos e uma trama envolvendo a busca por uma misteriosa receita de salada de ovos. E, curiosamente, num bom e num mau sentido, o filme se mantém engraçado; por um lado, a realidade atual da dublagem continua nos permitindo entender e consequentemente rir da sátira proposta por Allen, por outro, é triste pensar que trinta e oito anos depois os problemas nesse setor do audiovisual continuam tão gravemente alarmantes, não sendo incomum que associem a técnica ao termo “mutilação”.

Numa época em que os Estados Unidos não poderiam estar mais aversivos a estrangeiros, certos de sua hegemonia, o novo roteiro de O que Há, Tigresa? faz inserções espertas que comentam esse sentimento: “O que está fazendo?” pergunta o protagonista quando outro personagem começa a se curvar, como se quem tivesse dirigido a dublagem não soubesse dos costumes orientais. Outra piada recorrente: o herói proferindo xingamentos como “porco sarraceno”, “cão espartano”, “vaca romana” e “mosca espanhola”. Aí cabe um olhar mais próximo, que revela toda a carga de conhecimento cultural que Woody Allen traz consigo desde seu primeiro roteiro. Pois, se era apenas para denunciar o xenofobismo dos norte-americanos, qualquer nacionalidade associada a um animal bastaria para se fazer entender nesta piada específica. Porém, Allen faz questão de que surjam povos conhecidos pela imposição de sua hegemonia em diferentes épocas, indo fundo nas camadas da pequena e discreta piada. E que seja possível se extrair isso apenas de uma só de suas ideias, já revela o potencial que iria esbanjar nas décadas seguintes.

Uma sinopse do longa seria, então, no mínimo inadequada, uma vez que apresentar a ideia é mais importante que o filme em si. E o pouco que se tem a dizer sobre o projeto, na verdade, revela mais ainda sobre a eficiência da execução dessa ideia. Embora não se trate de um filme realmente dirigido por Woody Allen, é de fato seu debute nas telonas, que não poderia ser mais apropriado e divertido. Que tenha um subtexto crítico é apenas consequência direta da condução do cineasta, que nestes primeiros anos iria se dedicar a ótimas comédias antes de começar uma transição para o drama com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), iniciando aí uma fase que iria render verdadeiras obras-primas, como Interiores (1978) e Manhattan (1979).

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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Grade crítica

CríticoNota
Yuri Correa
8
Robledo Milani
5
MÉDIA
6.5

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