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Sinopse

Um (falso) documentário sobre um bandido, em princípio, de meia tigela, mas que acaba se tornando alvo do FBI.

Crítica

Um Assaltante bem Trapalhão é a verdadeira estreia de Woody Allen na direção de longas-metragens, apesar de sua filmografia contar com O que Há, Tigresa? (1966), filme feito no Japão e apenas redublado nos Estados Unidos. Por mais que Allen tenha conseguido transformar aquele thriller de espionagem em uma comédia diferenciada, ainda não era uma produção com sua assinatura. O primeiro esboço de autoria começaria neste mockumentary, documentário fictício, sobre o ladrão frustrado Virgil Starkwell, interpretado pelo próprio diretor, praticamente criando sua persona nervosa nas telonas.

O roteiro de Um Assaltante bem Trapalhão é de Woody Allen, junto de Mickey Rose, profissional que já o havia ajudado no seu filme anterior e seria seu parceiro novamente em Bananas (1971), no ano seguinte. Na trama, episódica, acompanhamos a vida de Virgil Starkwell, um jovem que desde tenra idade teve problemas com autoridades e que, agora, com seus vinte e poucos anos, não consegue viver uma vida ajustada. Sempre com um plano mais ousado que o outro – e que nunca dá certo – Virgil vai e volta da prisão inúmeras vezes. Até que um dia, o vigarista se apaixona pela angelical Louise (Janet Margolin) e... na verdade, nada muda. Continuando no mundo das contravenções, Virgil tenta sempre dar o golpe que resolverá todos os seus problemas financeiros.

O filme é construído como um documentário, com direito a narrador onisciente, entrevista com os parentes e amigos do vigarista e um depoimento do próprio Virgil. O estilo de enquadramento é mimetizado perfeitamente e Allen inclusive escolhe utilizar outro tipo de câmera para os depoimentos, fazendo uma quebra interessante entre as entrevistas e a história em si. Aqui é importante notar que, na época, o conceito de mockumentary era praticamente inexistente em Hollywood. Portanto, é no mínimo corajoso da parte de Woody Allen estrear em um longa-metragem que brinca com sua própria linguagem, tentando misturar as características da comédia e do documentário de forma tão sagaz. Filmes como Isto é Spinal Tap (1984) e Borat (2006) certamente devem e muito a Um Assaltante bem Trapalhão. Não completamente satisfeito com o resultado, Allen aperfeiçoaria sua ideia de mockumentary alguns anos depois em Zelig, de 1983, um dos melhores trabalhos de sua filmografia.

Diz-se que o primeiro corte do filme não era nada engraçado e, depois da contratação do montador Ralph Rosenblum, as coisas acabaram se encaixando. Uma das razões para o resultado fraco do primeiro corte reside no próprio diretor. Woody Allen, novato e autodidata atrás das câmeras, não dominava vários aspectos da profissão. Um destes aspectos era a importância da trilha sonora. Principalmente para uma comédia. Woody Allen conta em entrevista a Eric Lax, no livro Conversas com Woody Allen, que viu seu filme ganhar vida assim que Rosenblum incluiu algumas músicas como trilha para as trapalhadas de Virgil Starkwell. A trilha, no fim das contas, ficou a cargo do mestre Marvin Hamlish, em um dos poucos momentos em que Woody Allen utilizou-se de um compositor para prover-lhe música original.

Essa intervenção de Rosenblum em Um Assaltante bem Trapalhão só fez ajudar a elevar os dotes cômicos de Woody Allen. O humor às vezes ingênuo, às vezes sexual, e, principalmente, pastelão do jovem cineasta está ali, com direito a gags hilárias como o revólver de sabão que faz espuma na chuva, o assalto que não funciona por um problema de caligrafia, a entrevista de emprego que se transforma em um jogo de adivinhações e, finalmente, o duplo assalto, realizado por dois grupos rivais ao mesmo tempo. São todas ótimas ideias, muito bem trabalhadas por Woody Allen nesta estreia.

Como já dito anteriormente, em Um Assaltante bem Trapalhão veríamos a criação da persona nervosa de Allen no cinema. Seu constante gaguejar e suas neuroses tiveram início neste longa-metragem – e só aumentariam com o passar do tempo, chegando à perfeição em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977). Outro assunto caro para Woody Allen que dá as caras nesta produção é a falta de capacidade do cineasta em se comunicar com os pais – e vice-versa. Em Um Assaltante bem Trapalhão, os pais de Virgil utilizam máscaras (à la Grouxo Marx) para esconder a vergonha que sentem do filho. Recorrente na filmografia de Woody Allen, a barreira entre pais e filhos pela primeira vez foi endereçada neste trabalho.

Legítimo show de um homem só, Um Assaltante bem Trapalhão não deixa espaço para outros atores brilharem. Fato raro na filmografia do cineasta, conhecido por criar ótimos personagens e dar espaço para atuações ganhadoras de prêmios. A belíssima Louise, interpretada por Janet Margolin, serve de interesse amoroso para Virgil Starkwell e é o verdadeiro retrato da moça recatada e submissa ao seu homem. Em alguns momentos, a personagem parece uma noviça, devido aos seus trajes sóbrios. Não deixa de ser interessante notar que Starkwell busca no amor de um ser angelical uma redenção e paz de espírito que nunca havia achado antes em sua vida. Margolin nunca consegue fazer frente à Woody Allen, até porque ganha um papel pouco vibrante. Louise é uma das menos interessantes personagens femininas criadas por Allen, notadamente ainda sem jeito para escrever para o sexo oposto. O cineasta costuma dizer que só aprendeu como criar mulheres fortes no cinema após conhecer Diane Keaton, informação que só pode ser verdadeira, dado o salto de qualidade nos seus projetos com a atriz.

Um Assaltante bem Trapalhão é uma primeira tentativa de Woody Allen protagonizando, escrevendo e dirigindo uma comédia. Como era de se esperar, o filme traz diversos cacoetes do comediante de stand up, mostrando um roteirista de grande potencial, com boas tiradas espalhadas pelo filme todo. A história consegue manter um bom ritmo, mesmo que se repita aqui e ali com as várias incursões de Virgil na prisão. Como ator, Allen não decepciona, construindo o que viria a ser o seu estilo próprio de entregar o texto. Um exercício de valor que ganharia um novo capítulo com outra comédia, desta vez com alguns toques de política, intitulada Bananas.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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