Crítica
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Sinopse
Crítica
Fernando (Paul Hamy) se aparta da civilização para tentar contato, nem que meramente visual, com uma espécie de cegonha em vias de extinção. É um trabalho solitário, que demanda paciência e concentração. Para isso, permanece numa floresta cuja potência simbólica se avoluma na medida em que fatos estranhos acontecem. O primeiro indício da singularidade dessa atmosfera é o fato de não apenas o homem observar os pássaros, mas também de ser por eles observado. A natureza espreita o protagonista de O Ornitólogo como se quisesse cooptá-lo. Mais adiante, um acidente motivado pela correnteza traiçoeira do rio quase o vitima fatalmente, pondo-o desacordado. Duas chinesas cristãs que almejam trilhar o Caminho de Santiago de Compostela salvam Fernando, fazendo-o de refém logo depois, em princípio para garantir sua proteção masculina contra os espíritos locais, algo relativizado nas conversas que chegam a mencionar a intenção de castrá-lo como forma de punir sua desobediência.
Quanto mais embrenhado na mata, mais Fernando se depara com ocorrências insólitas, das quais decorrem experiências que o modificam. O diretor João Pedro Rodrigues constrói com muita habilidade o clima do filme, mesclando inquietude e mistério, fazendo deste um aceno para acompanharmos o protagonista enquanto ele se descobre outros. As mudanças não são abruptas, concentrando-se na maneira como Fernando vai se descolando de sua missão inicial, a fim de abraçar as possibilidades que lhe são oferecidas pela sapiência de uma natureza enigmática. O Ornitólogo é um filme fundamentalmente alegórico, não aberto a interpretações categóricas e tampouco a leituras metafóricas fáceis. Há uma boa dose de religiosidade entranhada no seu tecido narrativo, mas nada que vá ao encontro dos dogmas, pelo contrário. É como se a relação de Fernando com o meio representasse a comunhão original do corpo com o que chamamos por conveniência de espírito, o cerne das pessoas e das coisas.
Não somente os instantes relativos à vida transformam profundamente Fernando, mas igualmente sua proximidade com a morte. A começar pelo desfecho fatídico do convívio com um surdo-mudo de nome bíblico, espécie de cordeiro que, ao invés de purificar os pecados do viajante, coloca em seus ombros uma carga de culpa não necessariamente passível de expurgo. Em O Ornitólogo há comunhão entre a plasticidade da imagem e a expressividade dos sons que emanam da floresta, determinante ao desenho de um entorno fascinante, pois conectado intimamente com a essência da natureza pulsante. Outros idiomas que não o português e o inglês predominantes são proferidos nas sequências centradas em coadjuvantes e/ou grupos capitais, como os seres que vagueiam fazendo rituais ao redor de fogueiras e as amazonas parcialmente nuas que oferecem a possibilidade de conduzir Fernando a uma saída, seja qual for, algo que ele prontamente rechaça, justo por almejar as revelações do percurso.
O êxito deste longa-metragem deriva, também, da maneira parcimoniosa com que João Pedro Rodrigues evoca os sintomas do extraordinário, tornando-os cada vez mais adequados às práticas vistas no ventre da mãe natureza. Fernando percorre um caminho de iluminação, cenários acidentados, ora hostis, ora sedutores, vislumbrando a rotina dos animais, interagindo com aparições de origem inexplicável, evoluindo até confundir-se com a própria mata. Aliás, ela se torna, ao mesmo tempo, espaço representativo de criação, perpetuação e extinção. A partir do momento em que suja as mãos de sangue, por conta de uma incapacidade banal de compreensão, Fernando aceita as dádivas, as agruras e os mistérios inerentes ao local e à sua concepção enquanto humano. O Ornitólogo convida à exploração sensorial de um mundo não encerrado na esfera superficial, que se desnuda em sua totalidade àqueles com um pouco de disposição para observar atentamente e se deixar levar.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 9 |
Robledo Milani | 8 |
Wallace Andrioli | 8 |
Matheus Bonez | 10 |
Leonardo Ribeiro | 8 |
Francisco Carbone | 10 |
Filipe Pereira | 8 |
MÉDIA | 8.7 |
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