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Sinopse

Depois de uma tragédia familiar, Jake vai a uma ilha isolada em busca de informações sobre seu avô. Em sua jornada, acaba encontrando um orfanato que abriga crianças com poderes especiais e é levado a proteger o grupo.

Crítica

Como de costume nas realizações do diretor Tim Burton, o protagonista deste O Lar das Crianças Peculiares se sente essencialmente deslocado. Jake (Asa Butterfield) encontra conforto apenas nas magníficas histórias do avô interpretado por Terence Stamp. Todavia, essa inadequação é mencionada rapidamente na cena banal dele ridicularizado por colegas de escola, insuficiente para denotar de cara essa exclusão enquanto traço definidor. O jovem logo recebe provas da existência literal do mundo que, passadas a infância e a inocência, ele acreditava ser fruto da imaginação do homem que o botava para dormir. Depois de atravessar a bruma, encara seres fantásticos e se depara com a morte, dois elementos que se interpenetram repetidamente, e de maneira lúdica, na obra de Burton. A criatura ameaçadora surgida entre as árvores retorcidas – cenário próprio dos filmes de terror – deflagra o perigo escancarado posteriormente, quando se abraça o insólito além-mar.

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Baseado no livro O Orfanato da Senhorita Peregrine para Crianças Peculiares, de Ransom Riggs, o longa chama a atenção, primeiro, pela exuberância visual. No presente, a ilha para a qual Jake e seu pai viajam a fim de tirar uma teima oriunda dos relatos do avô é um lugar escuro, nublado. Já no passado, após o garoto entrar numa fenda temporal, desembarcando em dias marcados por bombardeios alemães durante a Segunda Guerra Mundial, tudo passa a ser paradoxalmente luminoso. As características especiais das crianças que vivem no orfanato sob a proteção da Senhora Peregrine (Eva Green) são um convite ao notório talento de Burton para criar espetáculos de encher os olhos. Exemplo disso, a belíssima sequência da incursão submarina do protagonista e da menina mais leve que o ar por um navio naufragado. O diretor constrói novamente um conto de fadas permeado pelo macabro, em que principalmente os púberes se arriscam para garantir a integridade do direito de ser diferente, de sentir-se confortável com sua unicidade.

À atmosfera sombria se soma o clima de aventura, especificamente a partir do momento em que Jake assume o papel de protetor dos novos amigos, contra a maldade do personagem vivido por Samuel L. Jackson. Mediando o violento antagonismo entre as mulheres guardiãs e seus outrora semelhantes que sucumbiram à ganância e à ambição desmedida por poder e longevidade, a presença de um humano aparentemente ordinário, que está ali justamente para ser o fiel da balança. O Lar das Crianças Peculiares possui boas doses de ação, de romance, de suspense e, claro, de horror. Figuras como a Senhora Peregrine poderiam ser mais profundamente exploradas, pois curiosas o suficiente para suscitar interesse. Entretanto, há uma opção – alinhada com o caráter infanto-juvenil da obra literária que deu origem ao filme – por centralizar a atenção no garoto, no crescente contato dele com esse fascinante universo fabular. Os acontecimentos podem ser entendidos, numa chave metafórica, como alusão às agruras da Segunda Guerra Mundial e às suas marcas.

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Tim Burton faz aqui algumas referências a trabalhos pregressos, das conceituais, no que tange à utilização do medo como instrumento lúdico, às práticas, como no passeio da câmera pelo jardim repleto de esculturas vivas, ocasião em que é difícil não recordar Edward Mãos de Tesoura (1990). O longa-metragem acusa fragilidade ao destacar o heroísmo e a hombridade do protagonista como atributos imprescindíveis ao êxito de todos na luta contra os monstros. Também há uma leve queda de qualidade em virtude do empalidecer gradativo da maldade do vilão, algo que, se por um lado, pode fazer a festa de espectadores mais jovens, pois fruto da adição de humor pueril e de leveza no que até então se desenrolava num tom mais sério, por outro tende a desagradar os que porventura se incomodem com piadas sobre mau hálito ou preâmbulos esquemáticos, encarregados de conferir tempo aos mocinhos para o contragolpe. Ainda assim, mesmo ocasionalmente debilitado, O Lar das Crianças Peculiares é um ótimo exemplar dentro da carreira tão significativa como singular de Tim Burton, .

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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