Crítica


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Sinopse

Os reveladores bastidores do Fórum Econômico Mundial de Davos, evento que tradicionalmente reúne os principais líderes mundiais, entre governantes, empresários e novas vozes, como as da adolescente Greta Thunberg.  

Crítica

É difícil determinar o foco de O Fórum. Em certos momentos, inclusive pelas opções estético-narrativas que o aproximam do viés propagandístico do documentário, possui traços de institucional sobre o Fórum Econômico Mundial, evento que acontece há quase 50 anos na pequena cidade suíça de Davos. O cineasta alemão Marcus Vetter não lê tanto as ambiguidades e contradições dessa reunião que aglomera os principais líderes mundiais. Sequer passa perto de questionar os métodos de escolha dessas figuras que supostamente ganharam o direito de lá estar por conta de uma atividade proeminente. Por que há vários CEO e dirigentes políticos e tão poucos membros de instituições não governamentais, entre eles representantes dos movimentos sociais? Não seriam eles também vozes a serem atenciosamente ouvidas em prol das transformações que o mundo precisa? O fundador da mandachuva do Fórum, Klaus Martin Schwab, é conduzido frequentemente ao protagonismo, até porque o realizador promove a questionável fusão entre a entidade e o criador, pouco afrontando ambos.

Nos instantes em que Schwab vira o centro das atenções, principalmente com passagens de sua rotina encenadas burocraticamente e quase nada surgindo nas escassas entrelinhas, há uma tentativa de ressaltar a abertura aos discursos que não compõem a mesa ao redor da qual verdadeiramente se tomam as decisões a nível global. O Fórum cede terreno para que o todo-poderoso de Davos fale como sofreu sanções de alguns membros da comunidade privilegiada, esta que entope o interior da Suíça de aviões e helicópteros particulares todos os anos, ao convidar ao parlamento o brasileiro Dom Hélder Câmara. Essa colocação mais parece o dirigente se escudando de possíveis críticas negativas à sua conivência com as discussões que frequentemente acabam girando em torno da manutenção do status quo, embora estas tenham embalagem pretensamente preocupada com causas progressistas. Marcus Vetter raramente toma qualquer posição mais demarcada sobre as várias conjunturas que circundam não somente o encontro, mas também a atuação de seus membros fixos como agentes das articulações globais de natureza político-social. E as esparsas afrontas soam insuficientes.

Apenas ao questionar Schwab sobre a parceria entre o Fórum Econômico Mundial e a Monsanto – empresa acusada de romper os limites da ética científica para expandir negócios – o realizador projeta um bem-vindo desejo de iluminar contradições e quiçá resquícios de hipocrisia. Os testemunhos de uma ativista do Greenpeace ensaiam consolidar uma mobilizadora presença incômoda, pois questionadora. Entretanto, as ponderações por ela levantadas não encontram ressonância na forma como o filme articula a sua retórica entre a observação e a isenção, no mais das vezes. O problema climático é a única pedra no sapato eleita pelo cineasta para gerar contraponto às conversas com indícios de passivo-agressividade a respeito de acordos comerciais bilionários e ocupação territorial/econômica por multinacionais que formam uma aliança virtual para perpetuarem-se. As falas de Greta Thunberg são claramente excepcionais nesse cenário bastante homogêneo. Soam como concessões feitas pela organização para não passar a imagem de essencialmente elitista. Tantas coisas a serem abordadas e problematizadas. Pena que Vetter prefere permanecer à distância.

Curiosamente, os únicos instantes em que a articulação dos planos, o privilégio desta imagem em detrimento daquela, em suma, as escolhas cinematográficas, carregam politização é quando entra em cena Jair Bolsonaro. Então recém-empossado presidente do Brasil, ele foi a Davos em 2019 para manifestar-se àquela plateia privilegiada. Marcus Vetter sublinha o despreparo do chefe do executivo brasileiro, isso depois de pontuar a expectativa prévia de políticos e gestores para ouvir o ultradireitista falar. Ele distingue o desconforto de Bolsonaro diante de Al Gore, uma das vozes mais conhecidas do ativismo climático. O estadunidense se mostra embasbacado ao ouvir do chefe de Estado que acredita ser importante Brasil e Estados Unidos explorarem a Amazônia (atenção ao verbo). O cineasta igualmente mostra o mandatário quase ignorando a dirigente que, educadamente, pede sua intervenção pela proteção das populações indígenas. Nesse período, o filme se desprende da vontade de meramente propagar, apresentando um comprometimento quase ausente até ali.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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