Crítica
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Sinopse
Cameron é um marido e pai amoroso que decide proteger a família do sofrimento ao ser diagnosticado com uma doença terminal. Ao segurar esse segredo pesado, ele acaba descobrindo mais sobre a bondade e o amor.
Crítica
O que é determinante na definição de um ser humano? Uma pessoa, em particular, o que a diferencia de outra? Seria sua aparência, seu olhar, sua inteligência ou maneira de reagir? Estariam em suas lembranças essa chave especial, ou, como poderiam apontar os mais espirituosos, naquilo que o homem se acostumou a chamar de ‘alma’? Uma característica tão única que impossibilita que aquele seja confundido com esse, e assim por diante. Detalhes físicos são importantes, mas há mais no íntimo de um homem (ou de uma mulher) que vai além da cor da pele, dos olhos ou dos cabelos, de sua altura ou peso, ou mesmo de onde vem e para onde vai. A ambição em conservar esse conjunto tão singular seria apenas autopreservação, teria a ver com um instinto natural, ou estaria conectado à dependência de cada um com os que vivem ao seu redor? Seria, enfim, um ato de egoísmo ou de compaixão? São muitas as questões levantadas em O Canto do Cisne, longa escrito e dirigido por Benjamin Cleary que aposta tanto num visual inebriante quanto nas reflexões que os temas abordados provocam para envolver e provocar sua audiência.
Mahershala Ali possui em sua estante duas estatuetas do Oscar, um feito alcançado por poucos atores. Ambas as conquistas, no entanto, foram em disputas como coadjuvante. Raro, portanto, é vê-lo como protagonista, o que, antes tarde do que nunca, acaba acontecendo por aqui. Como Cameron, é um homem como tantos outros. Já na meia idade, vive um casamento que teve dias melhores, mas está longe de se demonstrar desgastado por completo. Ele e a esposa, Poppy (Naomie Harris, oferecendo uma composição sensível a uma figura feita para ser não mais do que um tipo, mas que em suas mãos ganha insuspeita profundidade), estão à espera do segundo filho, ao mesmo tempo em que lidam com seus próprios fantasmas. Ambos são artistas – ele desenhista, ela compositora – e pessoas de evidente espírito livre. Mas já percorreram grande parte de suas jornadas, e pelo caminho foram acumulando pesos difíceis de se verem livres: a morte de um parente, as expectativas da vida a dois, os sonhos não compartilhados. Quando ele recebe a notícia que possui uma doença terminal e lhe restam poucos dias de vida, uma importante decisão precisa ser tomada.
É nesse ponto, apresentado no começo da trama – mas não com pressa, e sim no seu devido tempo – que pequenos detalhes, percebidos desde a primeira cena, passam, enfim, a fazer sentido. Situada em algum momento no futuro, a história se mostra possível por uma técnica inexistente hoje, mas viável para o amanhã: a engenharia genética permitida pela clonagem da espécie. Ou seja, Cameron, está para morrer, mas não precisa, enfim, acabar. De acordo com a doutora Scott (Glenn Close, impondo autoridade quando necessário, mas não indo além disso), um clone foi providenciado para reproduzi-lo até nos mínimos detalhes. Um período juntos será suficiente para que que o processo se complete, envolvendo a transição efetiva de memórias e modo de ser. Não perdem preciosos instantes com explicações e justificativas que nada acrescentariam ao todo. Esses são melhor ocupados no explorar de belas paisagens ou na investigação dos cenários minimalistas da clínica onde a “substituição” de um pelo outro se dará. O entorno se confirma tão importante quanto o que está no seu centro.
Sim, pois essa noção permite identificar duas linhas de pensamento. Quem é, de fato, Cameron? É o quem sente, respira, sofre e comemora, ou aquele que os outros reconhecem como sendo ele, pelas expectativas e frustrações que nele depositam? Sua esposa está grávida, é pai de um filho pequeno. Seria justo, uma vez que lhe é permitido optar, infligir a dor de sua ausência a eles, ainda mais em etapas que tanto dele necessitam? Ou ainda mais absurdo seria privá-los desse sentimento, uma vez que uma simples troca seria providenciada, e a partir dela a maior de todas as mentiras – e infidelidades – se daria com completa (e concreta)? Essa não certeza percorre grande parte da narrativa, entre idas e vindas, entre garantias assumidas e passos atrás em dúvida. Para tanto, Ali se mostra essencial ao elaborar dois tipos distintos, únicos em suas singularidades, ao mesmo tempo que se mostram como partes de um só. Tanto Cameron quanto Jack (o nome provisório que o clone recebe) possuem suas próprias vontades, e parecem tão dispostos a lutar por elas como a respeitar as consequências de seus atos. É o mesmo homem por detrás dos dois, mas em cena cada um oferece sua própria luz.
Vencedor do Oscar de melhor curta-metragem por Stutterer (2015), Cleary demonstra forte apelo estético em sua estreia em longas-metragens, ao mesmo tempo em que faz de O Canto do Cisne um conto provocador e reflexivo. Há passagens de contemplação e outras de profundos questionamentos, colocados em cena com o auxílio de uma tecnologia nunca muito distante da realidade, por mais que se mostre um futuro tão fantasioso quanto meramente imaginado. Há um desenrolar de acontecimentos a ser acompanhado, e este, por mais pesaroso que se mostre em determinadas situações, contém energia bastante para ser compartilhada com outros níveis de leitura, estejam eles nas inquietações demonstradas pelos personagens, como também nos questionamentos compartilhados com a audiência. Eis aqui um filme que não se basta por si só, por mais belo que seja seu visual e perturbador que se revelem os argumentos levantados. Carrega consigo elementos que aos poucos vão confirmando suas importâncias, muito em parte pela forma como irão se conectar com a percepção daqueles que os acompanham. Este, talvez, seja o maior dos seus méritos.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 8 |
Chico Fireman | 4 |
Daniel Oliveira | 5 |
MÉDIA | 5.7 |
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