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Sinopse

Chloé é uma mulher reprimida que, frequentemente, sente dores abdominais. Acreditando que seu problema seja psicológico, ela busca a ajuda do terapeuta Paul. Todavia, com o andar as sessões, eles acabam se apaixonando. Diante da situação, Paul indica uma colega para tratar a então esposa. Entretanto, ela resolve se consultar com outro psicólogo, o irmão gêmeo de Paul, de quem nunca tinha ouvido falar até então.

Crítica

Chloé (Marine Vacth) é acometida por dores abdominais constantes. Resultados de exames médicos deixam no ar a possibilidade de ela padecer de moléstias psicossomáticas. Portanto, logo procura ajuda profissional especializada, recebendo a atenção do psicanalista Paul (Jérémie Renier). O cineasta François Ozon instaura nas sessões iniciais, detidas em investigações, um clima de estranhamento, algo atingido especialmente por meio da montagem que abrevia o espaço entre o homem e a mulher, além de deflagrar reflexos e afins. Aliás, durante todo O Amante Duplo são periódicos o espelhamento e a projeção, com a câmera condicionada por essa perscrutação de espectros insondáveis. Em princípio instigante, o artifício se torna corriqueiro, banal ao ponto de perder potência enquanto produtor de sentidos para além do mais óbvio. A protagonista, abatida antes do tratamento, melhora fisicamente a olhos vistos na medida em que recupera a confiança. Méritos do trabalho da atriz que, em conjunto com a maquiagem, demonstra uma transformação capital à personagem.

Analista e analisada se apaixonam e passam a morar juntos. Dona de um olhar angustiado, Chloé acaba descobrindo que Paul tem um irmão gêmeo, nunca mencionado. A curiosidade a leva a mergulhar profundamente num relacionamento doentio com Louis (Jérémie Renier), a cópia negativa do então amado. As abordagens psicanalíticas dos dois são diferentes, bem como seus comportamentos amorosos. Um é ouvinte e discreto; o outro é falador e acossa a jovem como se fosse um predador. O Amante Duplo recorre à dualidade bondade/maldade encarnada em gêmeos idênticos, algo que remete imediatamente aos Mantle (interpretados por Jeremy Irons) de Gêmeos: Mórbida Semelhança (1966). Renier dá conta de desenhar as diferenças dos irmãos, tratando de construir personalidades bem conflitantes, o que garante a distinção, embora isso seja facilitado pela manutenção deles em cenários próprios, diretamente ligados a cada um. É Marine Vacth, porém, quem precisa demonstrar mais vulnerabilidade e densidade, o que faz com valor.

O longa-metragem se torna rapidamente refém do roteiro pouco inspirado, não competente para criar uma dinâmica profunda o suficiente a fim de desenvolver os temas acessados. É um thriller psicológico que visa manter o espectador em suspense através de frequentes pistas (algumas falsas, outras genuínas) e de uma encenação tecnicamente superior ao que apresenta. O sexo é um elemento central em O Amante Duplo, via pela qual determinadas complicações surgem. A orquestração de Ozon, contudo, torna os intercursos assépticos, destituindo sua conjuntura de uma voltagem erótica essencial. Certas cenas funcionam convenientemente para explicar circunstâncias capitais, como o passado de Chloé e o envolvimento dos gêmeos com uma desconhecida tornada inválida. O realizador, reconhecido como artífice sensível da representação das vicissitudes humanas, aqui se contenta em obscurecer tudo ao ponto de confundir, meramente, adiante oferecendo respostas às questões postas, contudo sem transcender o impacto da boa surpresa factual.

O Amante Duplo é um filme morno, cujo andamento, em tom, se assemelha à rotina de Chloé como guarda de uma galeria de arte. A despeito do ótimo trabalho do elenco, e da caracterização que aproxima visual e mentalmente a personagem de Marine Vacth da protagonista de O Bebê de Rosemary (1968) – até o corte de cabelo é parecido com o de Mia Farrow no longa de Roman Polanski –, o intrincado labirinto proposto não gera um trajeto propriamente desafiador. A relativização da verdade atinge seu ponto máximo com o plot twist que ressignifica o conjunto, mas sem tanta força. Ozon, que em filmes anteriores condensava a relevância nas filigranas, nas sutilezas, aqui resvala no grosseiro, especialmente pela forma de dispor vestígios que supostamente conduziriam ao saber. Cenas plasticamente bonitas, como o exame ginecológico inicial, não possuem ecos. O mistério acerca dos gêmeos é temperado por histórias de fetos assimilados na gestação, convivências inviabilizadas pela tragédia, mas o resultado é uma narrativa frágil, vultuosa e pouco eficaz.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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