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Sinopse

Santiago é casado com Marina, mas as coisas não vão necessariamente bem. Eles se amam, mas as dificuldades financeiras acabam se impondo como um obstáculo. E nada melhora quando ela resolve provocar ciúme nele.

Crítica

Chega a ser curioso como, apesar do batismo apontar para uma certa contemporaneidade, esse Nunca Fomos Tão Modernos seja, de fato, um filme tão retrógrado. Senão, vejamos. Logo nas primeiras cenas o espectador é colocado diante de um casal em crise: Santiago e Marina estão em momentos diferentes, na melhor das hipóteses. Ele, ocupado demais com o trabalho, não tem tido tempo para se dedicar ao casamento, o que tem acentuado a carência dela. A questão, no entanto, é que o profissional de respeito, entre os dois, é ela. Porém, suas responsabilidades e qualificações são colocadas em um segundo plano, pois à personagem importa apenas a falta de atenção do marido. E, na ânsia de contornar essa situação, acaba recorrendo ao mais antigo dos clichês do gênero: uma suposta traição com o ‘melhor amigo gay’, apenas para provocar ciúmes no companheiro. Se esse ponto de partida de imediato apresenta grande potencial de embaraço, aqueles na audiência que se preparem: há muito mais – e pior – vindo por aí.

É interessante também observar a vontade do diretor e roteirista Gustavo Coelho Moretzsohn em se dissociar do protagonista Guga Coelho. Afinal, se os dois são a mesma pessoa, por quê o cartaz e demais material de divulgação conta com as duas grafias do nome? Interpretações possíveis apontariam para uma tentativa de disfarçar a precariedade da produção (afinal, se aparentar que tem bastante gente envolvida, aposta-se que será transmitida a ideia de que houve investimento suficiente para pagar todo mundo), mas também para um esforço do realizador (?) em se distanciar da mãe famosa, a escritora e roteirista Ana Maria Moretzsohn, autora de sucessos globais como Pedra sobre Pedra (1992) e de longas como o recente O Silêncio da Chuva (2020). É notável esse esforço em trilhar um caminho próprio, saindo debaixo da sombra materna. Mas para que esse empenho fosse confirmado, era necessário que houvesse talento envolvido. Algo raro em qualquer uma das frentes em que ocupa, seja dirigindo, escrevendo ou atuando.

No meio cinematográfico, chama-se de “suspensão de descrença” a vontade de um “espectador em aceitar como verdadeiras premissas de um trabalho de ficção, sejam elas fantásticas, impossíveis ou contraditórias”. Trata-se de uma manifestação até mesmo comum em obras de ficção científica, aventura e ação, mas que podem ocorrer também em outros gêneros, como na comédia romântica. Afinal, colocar Guga Coelho e Letícia Spiller como o casal de protagonistas é exigir demais do público, ainda mais por ele aparecer de forma desleixada e sem maiores cuidados, ao mesmo tempo em que ela se mantém como uma das atrizes mais lindas do país. Pois se o conjunto soa estranho de partida, há ainda a inversão de se mostrar ela como a que corre atrás, a apaixonada em desespero, a que sofre por falta de carinho e sexo, enquanto ele é quem está sempre ocupado, que se diverte com prostitutas “por obrigação profissional” enquanto deixa a companheira sozinha em casa. Se as motivações não fossem problemáticas o bastante, há de se acrescentar ainda a absoluta falta de química entre os dois.

Tanto é que Spiller acaba funcionando melhor em cena quando ao lado de Dudu Azevedo, que é com quem passa a maior parte do tempo, afinal. O galã surge como GG – não por ser apelido de Argeu, seu verdadeiro nome, mas porque “o pessoal aqui da academia me viu no vestiário trocando de roupa, e acabou virando uma referência ao meu ‘tamanho’, se é que tu me entende”, como ele faz questão de explicar – o tal “melhor amigo gay” dela. E é importante frisar isso, pois essa explicação reducionista e limitada é repetida no mínimo umas dez vezes ao longo da trama, nas mais diversas ocasiões e por diferentes personagens. Numa época em que as pessoas nem mais se definem somente de um jeito ou de outro, calcar tão fortemente em uma figura sua homossexualidade (que nem é tão rígida assim, pois o texto defende o preconceito de que “só é gay porque não encontrou a mulher certa”) é mais do que um equívoco, beirando mesmo o contrassenso.

Entre sequências que deixam claro a ausência de um diretor de fotografia, pois nada se entende por não se saber posicionar a câmera (a chegada de Santiago na academia, quando é salvo por GG, é particularmente problemática) e diálogos que ultrapassam os limites do constrangimento, como as discussões no escritório dele, a justificativa para que Marina e GG trabalhem quase pelados e as interações entre os dois, quando ele por pouco não mergulha na traqueia dela para demonstrar uma possível atração, ainda restam leituras perniciosas, como o golpe planejado ao lado da sogra, o olhar misógino dos colegas de trabalho e a própria construção dos homens gays (sim, pois se um não fosse suficiente, ainda se tem Álamo Facó passando vergonha em uma aparição gratuita e desnecessária, digna de programas de auditório do século passado). Cercado por tipos com os quais é quase impossível simpatizar, Nunca Fomos Tão Modernos se confirma como exemplo de um cinema anacrônico, ultrapassado antes mesmo da sua feitura e que acentua suas debilidades através de olhares que incentivam velhas piadas que há muito perderam a graça (se é que algum dia chegaram a ter).

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Alysson Oliveira
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MÉDIA
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