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Sinopse

Quando adolescentes desenvolvem poderosas habilidades de maneira misteriosa, são declarados uma ameaça pelo governo e presos. Ruby, garota de dezesseis anos, uma das mulheres mais poderosas que alguém já viu, escapa de seu acampamento e se junta a um grupo de jovens fugitivos em busca de um porto seguro. Logo, essa nova família percebe que, em um mundo em que os adultos no poder já os traiu, não basta correr, eles terão de resistir usando seus poderes coletivos para recuperar o controle do futuro.

Crítica

Hollywood anda desesperada a fim de encontrar uma nova franquia infanto-juvenil com apelo suficiente para cativar o público e fazê-lo acompanhar as peripécias de um mesmo grupo por diversos longas-metragens. A nova tentativa nesse sentido é Mentes Sombrias, baseado na obra literária homônima de Alexandra Bracken. A trama dá conta de uma distopia marcada pela mortandade em larga escala de crianças, em virtude de um motivo não explorado. O problema, no entanto, são os jovens que sobreviveram por conta de habilidades excepcionais e insuspeitas. Inteligência acima do normal, poderes telecinéticos, controle de correntes elétricas, indução mental e até a faculdade de cuspir fogo e matar, são alguns dons logo reprimidos por um governo que tenta instrumentalizar o talento alheio como potencial arma de dominação massiva. No meio de tudo isso, temos Ruby (Amandla Stenberg), a protagonista que experimenta a sua própria cota de sofrimento por ser uma das “escolhidas”, apartada dos pais e levada a um verdadeiro campo de concentração para confinamento.

Já nos primeiros momentos fica evidente a absoluta falta de sutileza no trabalho dos elementos de ficção científica que perpassam integralmente a trama. Ruby é especial por ser uma das únicas “laranja”, categoria considerada altamente perigosa. Esse contexto nos é dado de forma rasteira, por meio de diálogos meramente expositivos. Recorre-se canhestramente ao velho e surrado estratagema de delinear a mitologia através de algozes detalhando conjunturas e planos, como se estivessem lendo uma cartilha aos personagens e, por conseguinte, ao espectador. Não demora a aparecer um militar caricato, que se encaixa naquela função de cão de guarda dos verdadeiros maus, além de organizações paralelas cuja atuação é supostamente nebulosa. Gradativamente, Mentes Sombrias, em meio a uma progressão totalmente previsível e anódina, se inclina à seara romântica, o que dilui a pequena porcentagem de interesse ainda mantido acerca da complexidade global envolvendo meninos e meninas com qualidades sobre-humanas. Rapidamente, tudo fica bastante risível e bobo.

Mentes Sombrias se apega tão e somente às instâncias rasas, preterindo qualquer componente que possa oferecer camadas ao enredo. Embalada por uma música pop genérica – que destoa completamente da atmosfera de tensão pretensamente almejada –, a trajetória de Ruby cruza com a de um trio errante, formado por Bolota (Skylan Brooks), Zu (Miya Cech) e, principalmente, Liam (Harris Dickinson). Com este, a protagonista cria um laço de proximidade maior, mas a cineasta Jennifer Yuh Nelson, pesando a mão nas doses cavalares de “açúcar”, sequer consegue utilizar a efervescência dos hormônios adolescentes como combustível metafórico. Aliás, a energia libidinal é preterida em função de um amor meloso e piegas, tido como saída possível daquele presente em ruínas. Viradas dramáticas mal enjambradas, pessoas que não sustentam a devida dubiedade por conta da fragilidade do trabalho do elenco, além de cenas de ação desprovidas de emoção e voltagem física, fazem desta narrativa um equívoco praticamente total, a mercê de sorrisos e risadas involuntários.

Os diálogos e a encenação telegrafam o porvir, extraindo de Mentes Sombrias a capacidade de surpreender. Caminhando de maneira retilínea para o esquecimento, o filme de Jennifer Yuh Nelson apresenta personagens desinteressantes num cenário mal elaborado e esterilizado. Clancy Gray (Patrick Gibson) é um vilão estereotipado, que não consegue manter-se incógnito do espectador minimamente atento. No que diz respeito ao tom, é semelhante ao daquelas obras sobre adolescentes enfrentando problemas graves de saúde, mas que encontram bálsamo efêmero ao sofrimento nos braços de alguém idealizado de acordo com devaneios românticos e inocentes. Se ao menos os obstáculos representassem ameaça real, mas não, pois igualmente se inserem na categoria “beirando o ridículo”, como visto na cena da batalha campal, com soldados mudando de lado pela manipulação dos inimigos, gente reconduzida ao cárcere e outros demonstrando força para resistir. Solenidade que não encontra amparo no anêmico substrato da produção, um desastre que ameaça ter sequências.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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