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Sinopse

Acompanha o retorno ao princípio da grande marcha de retomada dos territórios sagrados Guarani Kaiowá, registrando o nascedouro do movimento na década de 1980. Vinte anos mais tarde, está instaurado um conflito de forças desproporcionais: Guarani Kaiowá frente ao poderoso aparato do agronegócio.

Crítica

Dirigido pelo documentarista e antropólogo Vincent Carelli, Martírio é o que poderíamos nomear de um “road-doc”, um documentário que se passa entre idas e vindas pelas estradas e em diferentes locais do país. O riquíssimo material captado durante décadas pelo cineasta se debruça sobre o descaso e as injustiças que as tribos Guarani Kaiowá não somente sofreram no passado como ainda sofrem hoje em dia, e perpassa décadas analisando de forma a desmistificar histórias implantadas por governos tidos como progressistas e, ainda, denunciar a violência cometida por fazendeiros aos índios.

Em seu formato, a produção é didática e nada excepcional. Mas, para o assunto e tom de denúncia que se propõe, é mais que necessário deixar de lado certos floreios e partir para algo objetivo e claro ao entendimento do público. O diretor nos coloca à frente de fatos históricos e políticos junto de uma governabilidade instituída que destrata os primeiros povos do país. Em busca de um avanço econômico, o brasileiro branco passa por cima dos direitos dos indígenas. E é importante destacar aqui a desconstrução que Carelli propõe, incluindo até mesmo o governo da ex-presidenta Dilma e sua ministra Kátia Abreu. Entre índios mortos por fazendeiros e outros que se suicidam à beira das rodovias por serem esquecidos dentro de uma sociedade preconceituosa, a produção dá, enfim, voz à população enfocada. Carelli é, no máximo, um narrador e interlocutor que pouco interfere no ambiente.

A indignação por parte da plateia começa a dar sinais quando o diretor resgata informações dos tempos da colonização portuguesa e avança por entre governos republicanos e a ditadura militar. Mas o sentimento é intensificado na atualidade frente à câmara reacionária que se apresenta no Brasil. A frustração e o compadecimento dos espectadores mais esclarecidos com a população retratada por Carelli é plena mesmo quando o documentarista, em alguns momentos, parece andar em círculos dentro do seu tema. Isso, no entanto, é compreendido como um mecanismo de enfatizar ainda mais os desrespeitos sofridos pelos Guarani Kaiowá. Por isso, Martírio é um documentário difícil de se assistir com indiferença. Mesmo sendo longo para um produto do formato – são quase 3 horas de projeção, o seu ritmo de montagem é exemplar.

Entre os sentimentos que a plateia externa através de vaias e palmas, independente de posicionamentos políticos de esquerda ou direita, Martírio é impactante politicamente. Afinal, na soma das décadas, sobra para todos os lados. E este é um dos ganhos do filme, exercer sua crítica doa a quem doer. Principalmente o capitalismo exacerbado e a cultura branca que dominaram a vida dos indígenas cada vez mais com o passar dos anos. Estão presentes relatos e documentos que mostram a imposição do homem branco e dito civilizado disposto a encaixar o índio em uma cultura que não era a sua. Alia-se a isso a necessidade de embranquecer o índio brasileiro e adaptá-lo a uma sociedade que o corrompe, e claro, os constantes roubos de terras por parte dos agricultores, resultando em ameaças e chacinas ao povo Kaiowá.

Selecionado para a 40° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é interessante notar como Martírio conversa com produções contemporâneas ao se aprofundar em uma temática importante em diferentes esferas atualmente: a moradia. Assim como Maat (2016) e O Apartamento (2016) e Era o Hotel Cambridge (2016), o documentário de Carelli traz questões sobre o ambiente que nos é de direito e onde buscamos pertencer. Vale lembrar, principalmente para os políticos e fazendeiros que reprimem a população indígena, que a moradia é um direito humano básico, fundamental e universal. Se para nós, considerados “civilizados” e moradores de grandes centros, já é, para a população que estava neste país bem antes de portugueses e espanhóis chegarem é mais que necessário: é obrigatório e de direito. Fica como reflexão a necessidade de debater e buscar um equilíbrio entre o avanço econômico desenfreado nos campos e os direitos indígenas. Carelli consegue com êxito entregar isto ao público que sai da sessão com sensação de revolta.

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é graduado em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas (RS) e mestrando em Estudos de Arte pela Universidade do Porto, em Portugal.
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