Sinopse
Isadora retorna à sua cidade natal por conta da morte de seu pai. Ali, em meio a sensações conflitantes, ela vai se deparar com o machismo nosso de cada dia.
Crítica
Isadora (Ana Luiza Rios) volta para sua cidade natal a fim de sepultar o pai. A dinâmica com a amiga que vai lhe buscar na rodoviária é bem articulada ao ponto de captarmos a existência de camadas nesse vínculo antigo demarcado atualmente por um distanciamento. O trânsito na estrada é cortado por um sujeito de motocicleta, cujos comentários soam bem impertinentes. O cinema está repleto desses personagens que experimentem toda sorte de turbulências ao se reconectarem com suas raízes. Não raro, como a protagonista de Marco, essas figuras chegam oscilando entre a saudade dos velhos tempos e a nova configuração que as colocam num local emocionalmente distante daquilo tudo. Todavia, a cineasta Sara Benvenuto deixa de articular consistentemente essa fricção entre a mulher do ontem e a do hoje, sobretudo por não dar conta de adensar uma reverberação, aqui bem mais verbalizada do que necessariamente sentida pelo espectador.
Loreta Dialla, intérprete da amiga que permaneceu e engatou um relacionamento com rapaz das antigas, é restrita à função de ponte com a memória afetiva que, inclusive, passa pela dimensão do desejo. Marco demonstra a vontade diretiva de observar as pequenas violências que se abatem sobre a protagonista tão logo ela decida regressar ao ambiente que não lhe serve mais. Porém, o roteiro não deixa claras, sequer nas entrelinhas, as tensões previamente mediadoras dos encadeamentos. Tampouco se esforça para espessar os mesmos com rasgos de tensão definindo os reencontros numa situação tão adversa quanto a morte de alguém. Não fosse as colocações do tio que dissuade Isadora de ir embriagada ao enterro, pouco se saberia do pai.
A melhor sequência de Marco é a na festa na noite anterior ao sepultamento. Nela, a despeito da simplicidade da direção de arte, há um dinamismo em torno de questões colocadas no curta, especialmente as tangentes ao papel da mulher, sobretudo numa localidade tacanha como aquela. Capturadas com uma câmera que interage, não se limitando apenas ao registro, as duas amigas de longa data encontram breve acalento no corpo uma da outra, eventualmente triscando numa noção erótica, sublinhada essencialmente por carinho. O namorado se achega, primeiro, com ciúme e, segundo, buscando participar de uma conjuntura íntima, apenas delas. Essas tentativas de atravessamento masculino são constantes e apontam à aspiração por falar do patriarcado.
Marco, no entanto, tem outros momentos bem menos inspirados nesse itinerário claudicante. Um deles é a cena do vendedor de cigarros, no comecinho do curta-metragem, homem mais velho que flerta abertamente com a cliente desconhecida, cujo ímpeto oportunista aparentemente encontra reciprocidade em Isadora. Na verdade, a mesma está apenas, em meio à vulnerabilidade de seu luto que a desarticula, sendo acessível e cordata. Ainda que o conteúdo da passagem seja absolutamente relevante para trazer à baila discussões prementes na ordem do dia, a encenação peca, principalmente, pela imobilidade da câmera, a falta de um processo intensificado pela montagem, por exemplo, e o desajeito do intérprete que faz desse sujeito uma figura postiça. Sobram ótimas intenções, mas a pouca densidade infelizmente depõe contra o resultado.
(Filme assistido durante a 29ª edição do Cine Ceará)
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